sábado, 31 de dezembro de 2011

Proseando sobre... Imortais


O cinema sempre adaptou mitologias e muitas delas sofreram com narrativas deturpadas, cujo propósito fosse apresentar versões distintas das fabulas, sacrificando o original a troco de potencial comercial. Este “Imortais” é o mais recente exemplo disso, dificilmente agradará admiradores de mitologia grega. O roteiro sabota as lendas, embora em alguns atos busque referenciá-las. A decepção só não é maior pela diversão proporcionada, ainda mais pelo 3D que, se não é exuberante, ao menos não é ridículo como em várias produções recentes. Esquecendo-se – se é que isso é possível – que a história baseia-se em mitos, a obra torna-se um interessante longa de ação-ficção cujos nomes dos personagens foram emprestados dos personagens gregos. 

Esteticamente impecável, a produção é caprichada, contando com aspectos técnicos empolgantes, entre eles a direção artística de Tom Foden marcando com sombras a guerra entre a humanidade sobre o olhar esperançoso dos deuses. Cenas recorrem à beleza paisagística da Grécia antiga retratada em obras medievais, o cenário gráfico impressiona juntamente ao figurino espalhafatoso, destacando-se nesse meio os deuses com suas armaduras douradas e os oráculos. Produzido por Gianni Nunnari e Mark Canton, dupla responsável por “300”, o longa conta com vários momentos que levam o espectador a recordar da obra de Zack Snyder, sobretudo da câmera lenta registrando combates coreografados num travelling vagaroso. 

No entanto, tantos artifícios artísticos empregados não são o bastante para encobrir a mediocridade narrativa, roteirizada sem nenhum compromisso com a veracidade dos mitos, o que, de certo modo, pode ser encarado como ofensa por seus mais fiéis apreciadores. Não é que tenha obrigatoriedade de ser idêntico ao conto, mas a trama deveria ganhar atenção. O desenrolar dela é insossa e preguiçosa, cheia de argumentos supérfluos para encaminhar uma ótica discutível a respeito dos interesses de seu herói. Teseu (Henry Cavill, o próximo “Super-Homem”) é transportado para outra história. Não sabe quem é o pai, ao contrário da fabula mitológica a qual indicava ser filho de Egeu, rei de Athenas. No longa foi treinado por Zeus em forma humana (John Hurt), o jovem que não teme o fracasso, a vergonha e a derrota, deve liderar o exército helenico contra o domínio do rei vingativo Hipérion (Mickey Rourke). Este está em busca do Arco de Epiro para libertar os Titãs aprisionados. 

A jornada de Teseu se dá após assistir a mãe ser assassinada. Escravizado, se rebela junto a outros escravos e encontra a Oráculo (Freida Pinto) que o adverte sobre um futuro infeliz. O arco dramático se faz nesse percurso com altas doses de ação, ondas gigantes e sangue esguichando. Buscando apoio em algumas alegorias, acompanharemos um duelo decepcionante contra o Minotauro no labirinto. O novelo de linha que marcava o direcionamento de Teseu no labirinto deu lugar a rastros de sangue. Tarsem Singh, diretor do bom “A Cela”, assumiu o projeto entrando na ode de obras análogas, como os recentes “Fúria de Titãs” e a adaptação literária de “Percy Jackson” – que não deu certo. Entre tantos embates, fica uma sugestão sobre crenças, intervenções divinas e o livre arbítrio. Soa gratuito e passional, e quando Athena (Isabel Lucas) clama a Zeus (vivido por Luke Evans) para que ele não abandone a humanidade, aí fica difícil de levar a coisa toda a sério.  

Com atuações convenientes, o filme desenvolve-se de uma maneira expositiva, pouco exigindo de seu recheado elenco. Henry Cavill não tem lá muita simpatia, mas não decepciona nas cenas de ação – um prelúdio ao que virá no novo Homem de Aço. Já a indiana Freida Pinto (de “Quem quer ser um Milionário?”) emula seu encanto notável, exibindo uma beleza divinizada numa cena de nudez. Já Rourke cumpre bem o papel de vilão, com ditados nada convencionais, violência amplificada e frutas mastigadas.  O restante do elenco pouco acrescenta encenando, pairando num tom consentido as pretensões visuais de Tarsem Singh.

“Imortais” é mais uma obra que se apóia em mitologias e decepciona em sua elaboração, porém inclui razoáveis conflitos capazes de deixar o público minimamente satisfeito – destaca-se a ira dos deuses num ato final – e um aparato técnico competente o bastante para glorificar o projeto pela experiência visual proporcionada. É a pincelada hollywoodiana funcional, buscando franquias quase às escuras, investindo num gênero tradicional para evocar novos seguidores. 


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Proseando sobre... Missão: Impossível - Protocolo Fantasma


Eis uma série que deu certo, Missão: Impossível chega ao seu quarto filme mantendo uma qualidade satisfatória e entregando, como nos anteriores, um entretenimento absurdo além de divertido. Operacional em todos os atos, até mesmo o espectador aversivo a exageros deverá tirar algum proveito do projeto. Há reais chances de ser acometido por uma acrofobia repentina diante do Burj Khalifa. “M:I-IV” é o que mais flerta com humor na série, garantindo não só um enérgico e funcional longa de ação, as vezes de tirar o fôlego, diga-se de passagem. É um filme com teor cômico aprazível, sem esforços demasiados. Há explosões, perseguições, saltos nas alturas, pancadaria e um Tom Cruise plenamente disposto ao caos e ferimentos.

Assumindo a cadeira que já fora de De Palma, John Woo e J.J. Abrams, Brad Bird das ótimas animações “ Ratatouille” e “O Gigante de ferro”, demonstra familiaridade com o projeto ao esboçar manejos de câmeras diferenciados. O Live-Action é a dele também. Ele traz o melhor ângulo das cenas de combate ao mesmo tempo que procura levar seu público para dentro da obra, ocasionando reações de espanto com profundidades sem o artifício da tridimensionalidade. Tecnicamente o filme é riquíssimo, produzido pelo próprio Cruise, portando aparatos futuros num vislumbre de vanguarda tecnológica.  

Para quem sentiu falta, Ethan Hunt está de volta. Libertado de uma prisão russa, o agente logo é informado pela IMF que precisa entrar no Kremlin contando com a ajuda de Jane (Paula Patton e seu decote) e o nerd atrapalhado Benji (o astro comediante inglês Simon Pegg de “Chumbo Grosso” e “Todo Mundo Quase Morto”). A primeira missão fracassa e a IMF juntamente a seus agentes são responsabilizados por um atentado terrorista, sendo posteriormente caçados. Por conta própria, Ethan usa o pouco – o que é muito – que lhe resta para se inocentar, contando com a ajuda de Brandt (Jeremy Renner).

O tabuleiro de Brad Bird conta com as peças ideais para qualquer filme de ação que não se leve muito a sério e que dê certo por isso. Caso do herói imponente, um parceiro igualmente competente, um alívio humorado no grupo e uma mulher sedutora fatal, no caso aqui, uma bela morena. Tais fatores fazem parte de uma multiplicação de fórmulas que, bem dirigidas, garantem um entretenimento convincente, potencialmente capaz de agradar vários públicos, não só pelos rostos bonitos em cena ou pela ação exacerbada que se delonga. O foco aqui é justamente esse, impressionar pelo incrível, algo que “O Procurado” falhou ou que “Transformers” e sua demanda masturbatória arruinou.  

No elenco ainda estão Michael Nyqvist da trilogia sueca “Millenium” e a bela Junie, a francesa Léa Seydoux. Ambos vivem vilões, e como é bom acompanha-los. “M:I-IV” é um tiro certeiro, inventivo embora dotado da síndrome hollywoodiana com seus blockbusters, no entanto aqui interessantíssimo e com algo a se contar sem se prender unicamente a esplendorosos efeitos. A narrativa branda é excursionista, Moscou, Dubai, Budapeste e Bombaim são os cenários luxuosos do longa, todas as cidades oferecem oportunidades para o desenvolvimento da ação com saídas inacreditáveis, o grande espírito da franquia.



domingo, 11 de dezembro de 2011

Proseando sobre... O Gato de Botas


O sucesso do gato de botas na série “Shrek” motivou um filme solo do personagem, contando suas origens e suas investidas românticas. A DreamWorks apostou e deu certo, constituiu um filme divertidíssimo com o gato ainda mais carismático e humorado. Aqueles impressionantes olhos grandes, redondos e piedosos escondem a habilidade de um caçador robusto empunhando espada, com um chapéu e calçando o famoso par de botas. Chris Miller de “Shrek Terceiro” é quem assumiu a direção, propondo uma trama antecedente o encontro com o ogro verde, tratando a infância do galã felino, o respeito pelo acolhimento de uma mulher num passado até uma traição que fez dele um legítimo fora da lei num meio western.

Os poucos 90 minutos englobam com energia uma narração sobre busca por redenção. Parte-se do pressuposto da dúvida conforme a idoneidade de seu protagonista, cometendo delitos e arrependendo-se graças a um golpe de sorte, ou melhor, a um gesto de heroísmo. Aí o estímulo ocasiona reviravolta e influi diretamente no ponto de partida do longa, o ovo Humpty Dumpty, um bullynado parceiro do gato de botas. Ambos cresceram juntos, no entanto seguiram caminhos opostos – muito bem explicados pelo roteiro – até uma conjunção fatídica anos depois, um tipo de acerto de contas, adentrando numa outra velha história: João e o Pé de Feijão. É típico da DreamWorks essas adaptações. Também estão nessa Jack & Jill.

Com aparatos técnicos competentes, e isso é visível em sua versão 3D abusando de profundidade, o diretor traz, mesmo que involuntariamente, resquícios de inspirações quase que inconscientes em suas boas cenas de ação: correria sobre telhados numa proximidade a “Ladrão de Casaca” até fugas em becos escuros. Há também a reverência a clássicos do faroeste, contexto habitado com clima e sotaque latino, estilo escolhido que possivelmente ganharia alguma espiada de gênios como John Ford e Sergio Leone.

O gato não está sozinho. Além de Humpty Dumpty, também pinta na história Kitty Pata-Mansa, uma gata habilidosa em furtos, atiçando duelos – inclusive dançando flamenco – e perturbando o felino ruivo galanteador. Os dois novos personagens não são avulsos, ambos ganham devida atenção dos roteiristas, dividindo espaço com o hilário protagonista, sem exceder piadas e desmotivando um provável romance carimbado. Todos emergem num ciclo cômico referente às suas espécies, apoiando-se em gags visuais – que ótima é a cena em que o gato de botas bebe leite num copo – e efeitos de câmera conciliadores ao ritmo ágil da narrativa.

Sustentado por um humor prático, “O Gato de Botas” está longe de ser uma das maiores animações do ano. Tem suas limitações narrativas, mas ganha pontos pelo saudoso designe de produção, reforçado pelas escolhas do diretor em trabalhar distintos tipos de filmagem, procurando explanar detalhes, valendo-se até de um slow motion contido, comparado a qualquer concepção de Zack Snyder. Miller não ousa alçar vôos mais altos, prende-se ao carisma natural de seus bons personagens e deixa rolar, imprimindo um charme característico relativo aos felídeos. É uma jornada em terra e nas alturas centrado no gato de botas atrás do ganso com os ovos de ouro, pensando que está riqueza possa enfim lhe libertar.  

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Proseando sobre... Operação Presente

 
A era moderna atingiu o poder da imaginação das crianças. Acreditar em Papai Noel tem sido cada vez mais raro. Mas o espírito natalino ainda renasce à medida que o 25 de Dezembro se aproxima com suas luzes, conservando na população uma singela projeção esperançosa, como se o significado do Natal pudesse ser atingido. Esse espírito popularmente costumeiro já foi tema de incontáveis filmes, e não tão cedo deixará de ser. E é sobre ele que o competente estúdio inglês Aardman apóia sua nova investida, trazendo o Papai Noel distribuindo presentes sob árvores para aqueles que lhe escreveram cartas confiadas e desejosas. Mas como conseguir dar conta de entregá-los a todas as crianças do planeta? Indagação óbvia que “Operação Presente” procura responder divertidamente.

O filme começa tomado por perguntas sobre o papel do bom velhinho e com a retratação dos dias atuais onde a internet mobiliza adultos e crianças. A casa do Papai Noel já foi insistentemente procurada no Pólo Norte através do Google Earth e nunca fora encontrada, será que ela existe mesmo? É uma das várias boas tiradas iniciais feitas por uma menina. Arthur (dublado por James McAvoy), o filho caçula do Noel, é quem armazena cartas. Atrapalhado, poucos acreditam que ele possa suceder seu pai um dia, ainda mais disputando com um irmão disciplinado e adepto de tecnologia de ponta, escondendo de baixo das geleiras um programa de monitoramento universal que causaria inveja no pessoal do Pentágono.

De narrativa leve e coesa, esta obra dirigida por Sarah Smith levanta aspectos de um verdadeiro filme de Natal, buscando num conflito familiar uma fonte de reestruturação em serviço da data – é material Capriano no melhor estilo moral. No caso, não se trata de uma família visando resoluções financeiras, psicológicas ou sociais, a confusão acontece no próprio Pólo Norte. O ofício do velhinho de barbas brancas é herdado por gerações. Fazem parte dela o avô centenário aposentado que usava trenó e renas como transporte; seu filho que assumiu os trajes vermelhos, mas esse já está prestes a entregar o cargo ao primogênito, Steve. Este é diferenciado, ordenado, cumpridor de metas e planos, apresenta-se como se preparasse para uma batalha. Ele comanda uma nave quilométrica juntamente a milhões de elfos, para atender a demanda de pedidos no planeta numa só noite. Neste contexto está Arthur, quase invisível.  

A animação não aponta perspectivas de riso fácil, embora lide com clichês. Poucos deverão realmente gargalhar com o projeto, porém é provável que todos – incluindo adultos – divirtam-se pela sugestão natalina dada no filme, uma vez priorizar a crença de seus protagonistas pela representação do Natal, um suspiro com os valores da época espalhados. Reside nesse âmbito uma crítica delineada a globalização, alcançando a família Noel, com os aparatos tecnológicos e uma Mamãe Noel viciada em internet. Parece que o sonho converteu-se em obrigação, perdendo o brilho tradicional, e isso é o grande tema que Sarah Smith conquista com seu projeto, ao propor um retorno à tradição valorativa do período, retomando o luzir e seu sentido. O ponto de partida dessa discussão é o esquecimento de uma menina na Inglaterra. Ela acordará e não verá seu presente enquanto outras crianças estarão comemorando. E quem se importará com isso sendo que quase 100% estarão satisfeitas? Ela é um número, um número desprezível, dada às estatísticas de Steve. 

Concebido num estúdio famoso por realizar sucessos em stop motion como “A Fuga das Galinhas” e “Wallace & Gromit”, esse “Operação Presente” se diferencia graficamente. Somos transportados a uma aventura natalina, fundindo o passado e o futuro por um ideal – como bagagem, a nave e o trenó, tão distintos, mas com propósitos comuns. Ainda difunde-se um discurso solidário, amoroso e gentil. Tanto altruísmo pode fazer com que alguns torçam o nariz, é compreensível, afinal trata-se da essência do Natal, com lapsos de seu simbolismo e críticas metafóricas do mundo atual. Os personagens construídos fortalecem tais metáforas, cada um tem uma função muito bem definida, como numa empresa grande – exemplificando, o Elfo embalando presentes com fitas ou o próprio Papai Noel que encara tudo como uma anual missão a ser devidamente concluída. Assim, perde-se sua constituição representativa e a origem do significado, transtornando a valia dos marcantes atos natalinos.


terça-feira, 29 de novembro de 2011

Proseando sobre... O Preço do Amanhã



 Quanta correria. E como não poderia ser, uma vez que o tempo move o mundo de todas as maneiras. O mercado não é abalado pelo dinheiro, mas pelo tempo, pelo valor deste, em seus minutos, horas, meses, anos. Um segundo vale tanto. Eis a moeda de troca pela sobrevivência. Os mais ricos detém séculos de vida, os pobres lutam por mais um dia. Dentro dessa lógica, “O Preço do Amanhã”, o mais novo trabalho do escritor e roteirista neozelandês Andrew Niccol, se prolonga trazendo um modelo de funcionamento hierárquico universal como metáfora a ganância insaciável dos poderosos.

As diferenças sociais sustentam uma trama deliberadamente agitada. De um lado, pessoas vivem de caridade, prostituição, roubos e caminham pelas ruas desviando de cadáveres como se fossem insetos; de outro, a coordenação desse universo, o controle dominado por uma minoria com potencial de ser imortal, uma vez que inspecionam a maior riqueza humana, o tempo. No longa, o homem conquistou um de seus maiores desejos, a fórmula da juventude. Eles conseguem paralisar o envelhecimento, e, seguindo uma ordem, aos 25 anos, as pessoas passam a contar com dias a mais de vida de acordo com sua prestação de serviço.

Se delonga uma discussão sobre a eternidade, com um primeiro ato apresentando o tema através de um sujeito centenário, questionando a morte, crendo que a mortalidade seja um bem. Bons personagens surgem acompanhando essa idéia e o filme emerge nesse conteúdo, porém atribui sua funcionalidade a um longa de perseguição. Não há qualquer esforço em explorar seus personagens, o roteiro não caminha com propósito de ressaltar quem são eles – alguns simplesmente desaparecem – e entrega personalidades mutáveis agindo em caráter impulsivo. Talvez isso funcione dentro da (im)possibilidade do tempo, a movimentação sugere precipitação e todos embarcam em tal plano.

Will Salas (Justin Timberlake) é morador de um gueto, luta diariamente pelo amanhã ao lado de sua mãe, Rachel (Olivia Wilde, sim, Olivia Wilde). O elenco é predominado por jovens. Em uma noite fatídica, decide fazer vingança e utiliza de um presente para tentar mudar as regras daquele meio. No caminho, um mar de referências quanto à percepção do tempo, desde piadas a desastres. Logo pinta um par romântico usual, Sylvia Weis (Amanda Seyfried, morena), filha de um milionário miserável, surgindo na trajetória de Will e resolvendo acompanha-lo numa fuga desenfreada, escapando da fúria de ladrões de bairro e dos implacáveis agentes do tempo, liderados por Raymond Leon (Cillian Murphy, ótimo em cena).   

Esses personagens, correndo indiscriminadamente, olhando preocupadamente o relógio marcado em seus braços, transmitem a energia hollywoodiana com seus exageros comuns – perseguições e tiroteios exacerbados –, pleiteando uma moral válida de um argumento hábil. Pena encostar aí, não indo além de uma mera aventura bem intencionada com seus justiceiros – uma versão de Bonnie e Clyde fugindo de rajadas de balas. Trata-se de um exercício de estilo com alguma profundidade, parecido com outros trabalhos de seu diretor, por exemplo, os bons “O Senhor das Armas” e “S1mone”. Há muito o que se fazer num dia, para quem não tem tanto tempo, um momento é substancial.  


Proseando sobre... Happy Feet 2



 Após o sucesso do primeiro filme lançado em 2006 (vencedor do Oscar de melhor animação), chega aos cinemas uma continuação que preza, igualmente seu precedente, a qualidade técnica e uma história com mensagens ecológicas. Foram 4 anos de desenvolvimento e pesquisas que incidiram até em expedições na Antarctica. O resultado da busca pela retratação é quase comovente, brilhante e sem dúvidas a maior força desta obra, novamente escrita e dirigida por George Miller. Já a narração arrisca alcançar novos horizontes, estagnando-se na noção já explorada com o pinguim dançarino Mano no longa anterior, com sua incessante busca de se colocar num meio o qual o canto é um bem primário. Aqui há uma inversão dessa idéia através de seu filho Erik, uma pequenina e adorável ave que não leva muito jeito com a dança.

Vítima de chacota numa cena inicial musical, Erik se fecha num buraco cogitando procurar um outro caminho, uma vez não atender as características do bando local. Aí surge um dos vários temas que o filme procura abranger, a relação entre pai e filho, cuja figura paterna não consegue aliviar a angústia do pequeno em ser diferente de seus semelhantes. Parecidíssimo com a proposta de seu antecessor. Entram nessa fria convivência representações de ideais desejados marcados em outros personagens e em distintas espécies. Até um Elefante Marinho obstinado aparece para ressaltar a função do pai, oferecendo um conflito conservador e de respeito.

O design de produção esplendoroso denota satisfatoriamente aquele universo, com as geleiras hiper realísticas e os personagens obsessivamente detalhados, sem contar nos planos marítimos, acentuado por cardumes e dois krills – obviamente criados com a finalidade de aliviar tensões recorrentes. A dupla de crustáceos garante as melhores cenas cômicas da história, propondo carisma e inspirando reflexão sobre a necessidade de se adaptar no mundo que para eles é demasiado hostil. Outros personagens também favorecem a comédia, como o galanteador Ramon e o burlesco Amoroso (dublado no Brasil por Sidney Magal).

Os homens que aparecem durante o longa – em forma real – são vistos pelos animais como extra terrestres, formas de vida diferentes que ora ou outra surgem do mar. Não há uma grande crítica sobre o papel dos humanos. A narrativa incita a culpa deles numa alusão a catástrofe do aquecimento global, trata deslocamentos nas calotas e icebergs como ameaças não naturais rendendo severas consequências. Isso é fortalecido ainda pelo tom verde até então desconhecido no pólo. Assim, esses humanos que num determinado ato irrompem com faceta de herói, logo são descartados. Percebemos que nas atuais condições da terra, é difícil depender deles.

Com um desenrolar de assuntos marcados por muita aflição, algo que deverá desagradar algumas crianças e interessar adultos, “Happy Feet 2” encontra agitação em cenas de grande impacto, como nos derretimentos de costas e ameaçadores predadores. Um clima de tensão por vezes reside, equilibrando bem com as várias canções ecléticas sugeridas – às vezes tanta composição irrita. É um exemplo de “já vi isso” difundindo lições morais como a aceitação do outro e conscientização social banhado com canções e sapateado. 


quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Proseando sobre... A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 1


 Há quem ame, há quem odeie, há quem seja indiferente. A saga “Crepúsculo” caminha para seu final, segue mutilando a história construída sobre vampiros durantes décadas. Isso é motivo de críticas de muitos. Não consideraria tal fato, sou a favor de adaptações, criações, muito embora essa concebida por Stephenie Meyer seja quase impossível de se levar a sério. Este universo novo proposto pela escritora não é charmoso, nem convincente e tampouco interessante enquanto cinema, no entanto há nele uma isca funcional, não só através de seus personagens fantásticos – lobisomens e vampiros –, mas na fusão do real e o imaginário. Estamos diante um relacionamento entre uma mortal com um imortal. Há muito em jogo. Parece ser o bastante para que milhões se deslumbrem com o que acontece em cena, mas será que esta saga tem, de fato, potencial para ser glorificada como está sendo? Será “Amanhecer” um capítulo capaz de fortalecer tudo o que já fora apresentado até agora?

As respostas são óbvias. Não. A relação do fã com seu ídolo não precisa ser questionada, ainda mais tratando-se de uma série cujo grande interesse é alimentar o público e buscar o lucro. Com orçamentos milionários, os filmes garantiram melhorias técnicas, algo que possibilitou uma ressalva artística frente uma história insossa. A direção de arte contaminou os filmes após o lançamento de “Crepúsculo” – pena que tal atributo significativo tenha sido tomado pelo exagero nesse último. A fotografia é outro ponto frouxo nesse recente projeto, comparado aos outros. Então a saga que vinha melhorando retrocedeu? No ponto de vista narrativo, sim. Era mesmo preciso transformar o último livro em dois filmes?  Pouco provável, uma vez que “Amanhecer parte 1” oferece muito pouco.

Se artifícios técnicos garantiam a sessão daqueles desinteressados pela trama, então este trabalho irá frustrar ainda mais. Vale ressaltar que não é uma profunda perda de tempo, não diante a outras obras ordinárias lançadas anualmente. Visto que o longa tem um público muito bem definido, não há como ousar criticar sua funcionalidade com os fãs. Eles gostam, apreciam, se deslumbram e às vezes enaltecem com tanta demasia que chegam a gritar no cinema, fundindo adoração com falta de educação. O cinema é uma forma de arte, pena alguns não o compreenderem como tal. Se ao menos a elaboração de Woody Allen em “A rosa Púrpura do Cairo” fosse possível, tais reações seriam compreensíveis.

Bella (Kristen Stewart) finalmente se casa com Edward Cullen (Robert Pattinson) e engravida durante a lua de mel no Rio de Janeiro. Tal fato já garante um oceano de questionamentos por parte dos espectadores e dos personagens sobre possibilidades disso acontecer. Ao que parece, ninguém detém a resposta. Ignoro completamente isso, o cinema já nos apresentou muito nonsense, essa dá pra passar. O lobisomem Jacob (vivido pelo descamisado Taylor Lautner) aceita a contra gosto o casório, se rebela, mas cede. Ao menos seu personagem tem uma função mais enérgica na trama, impedindo-a de se empalidecer. Situações levam os lobos a enfrentarem os vampiros, colocando em risco a vida de Bella e do bebê. Este bebê, naturalmente, não é um bebê qualquer e condenará a vida da mãe mortal. Um lapso de discussão a respeito do aborto é tentado, porém logo é abandonado.

Com cenas românticas capazes de fazer os fãs se derreterem, e um aperitivo a mais para os brasileiros através de passagens no Rio em plena festa, esta primeira parte de “Amanhecer” se mostra frágil na apresentação de idéias. Quer explorar o romantismo sobrenatural transformando seres sanguinários em predadores tolerantes. A censura talvez explique qual é a demanda, sendo o público alvo o infanto juvenil. Não estranharia se em uma versão brasileira Xuxa e seus costumeiros elencos fossem os escolhidos para escalar os papéis principais. As atuações nada acrescentam, o destaque fica para uma coadjuvante, Anna Kendrick. Há uma defesa, o que há de melhor nesse trabalho é a comédia involuntária. Passagens bem humoradas garantem um suspiro no pedantismo. Há também um trabalho de efeito fenomenal, acentuado no emagrecimento de Kristen Stewart – o que, claro, não justifica um despertar maquiado num ato posterior inverossímil. “A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 1” não é um desastre, não mesmo. Mas para uma série com tantos admiradores, resta a curiosidade sobre seu papel no cinema, uma vez que nada acrescenta a ele.

Bill Condon, o diretor, não foi mencionado durante o texto, pois pouco acrescentou a sucessão do longa, buscando um convencionalismo padrão a toda potência. 

domingo, 20 de novembro de 2011

Proseando sobre... O Retorno de Johnny English


O agente secreto atrapalhadíssimo Johnny English está de volta. Anos depois do sucesso do longa lançado em 2003, uma sequência demorou para ser feita. Ela finalmente chegou, demorou 8 anos desde o lançamento do personagem na telona e Rowan Atkinson finalmente a retomou. Há pouco tempo o ator aposentou sua mais notável criação, o icônico Mr. Bean. Aos seus fãs, uma grande oportunidade para rever os trejeitos do intérprete herdados de Bean. Outra vez metido em sérias confusões, English, anteriormente exilado após uma falha crucial em Moçambique, é chamado às pressas para uma missão na Inglaterra. Eis uma outra chance, um outro filme e outras graças.

Abarrotado com um humor que referenciam a Mr. Bean, e isso talvez se dê ao fato de ter sido escrito por Hamish McColl, o cérebro por trás da história de “As férias de Mr. Bean”, este longa metragem funciona muito bem como sátira de filmes de espionagem, especialmente 007. Há carros e mulheres bonitas em volta do protagonista, igualmente ao modelo estabelecido na primeira empreitada. A diferença deste é centrar muito mais no espião, enfatizar sua arrogância orgulhosa quando pensa estar desempenhando um bom trabalho – fato auto motivador – e também ao demonstrar em detalhes as artimanhas furadas de seu método nada categórico de desenvolver as investigações.  

Dirigido por Oliver Parker, cara que recentemente trouxe às telonas uma nova adaptação de “O Retrato de Dorian Gray”, o filme é entusiasmado, reconhece o talento de seu protagonista em carregar sozinho a história e as piadas. Ele começa bem, mas vai despencando em autenticidade quando notamos repetições de idéias, sobretudo para quem conhece vários dos episódios da série “Mr Bean”. Atkinson é cômico, brilha, mas vai perdendo a força à medida que tantas piadas acabam sendo muito mais importantes que o roteiro. Este é visivelmente perdido e furado. Situações são jogadas em nosso colo e ninguém parece disposto a querer explicá-las.

A premissa da obra traz Johnny English treinando com monges, aprendendo novas técnicas e lições, até ser recrutado com chances de receber o perdão da Rainha, restituindo assim o posto que havia conquistado. Trabalhar essa idéia é algo ignorado por McColl, economizando atos a fim de favorecer novas possibilidades de recreação. Para isso vale de tudo, até caracterizar o vilão como uma senhora oriental fortemente armada. O trabalho ainda conta com Gillian Anderson de “Arquivo X” e com uma ex-bondgirl, a atriz Rosamund Pike – escolha bastante feliz ao constatarmos sua função em “Um Novo Dia Para Morrer”. E a personagem Lorna Campbell, vivida pela cantora Natalie Imbruglia no primeiro filme? Ninguém se lembrou de contar que fim ela levou. Explicações, realmente, não parecem interessar seus realizadores.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Proseando sobre... 11-11-11



 A expectativa em torno do 11 de Novembro de 2011 com relação a profecias e superstições motivou a concepção de um longa metragem de horror. Sua divulgação despertou curiosidade, sua temática também, e alguns aguardaram o tal filme “11-11-11” com certo interesse. A tentativa de se fazer terror com esta numerologia marcou o projeto constrangedoramente, graças a uma direção espanada, forçando sustos e cenas obscuras, e desenvolvendo uma história cujo potencial religioso, propagado num sentido crítico, mostrou-se propenso a finalidade polêmica sem grandes embasamentos. A reviravolta final, atributo constituído na série “Jogos Mortais”, residência de seu diretor, perde a força tamanha fenda de sua narrativa.

Legitimamente datado, este longa escrito e dirigido por Darren Lynn Bousman vem arrecadar alguma grana nas bilheterias para em poucas semanas ser completamente esquecido. Destino previsível. Vale até recordações: “Número 23” de Joel Schumacher é inevitavelmente lembrado. A obra desenrola-se fazendo constantes referências ao número 11, desde horários, datas, número de salas e apartamentos. Essa ordenação motiva a obsessão de seu protagonista, o famoso escritor Joseph Crone (Timothy Gibbs), um niilista transtornado por uma tragédia familiar que assombra suas noites com pesadelos.

A cena de abertura é um convite aos temores de Joseph. Terrores noturnos, imagens de chamas, gente no meio delas. Recorrentes sonhos que o atormentam, lhe obrigando a encontrar qualquer controle em pílulas. Sem saída, o cara freqüenta grupos de ajuda, tenta escrever um novo livro e flerta com uma estranha garota – essa nunca diz a que veio. Quando recebe a notícia de que seu pai está com os dias contados na Espanha, viaja até o país para revê-lo e enfrentar um passado abrupto que nos é temporariamente privado.

Desdobram-se especulações sobre os segredos dessa família. O irmão de Joseph, Samuel (Michael Landes), dedicado à religião, leva a palavra à comunidade, acreditando num acréscimo de seguidores da doutrina. O embate entre a descrença e a fé persiste em pelo menos dois atos sem conceitos, exprimindo opiniões como aversão voluntária. Em volta disso, sombras e representações aterrorizantes garantem um clima sombrio, contando com uma fotografia escurecida, esperando uma luz reveladora daquela cegueira aflita e incerta.

Imagens aparecendo em gravações, nos espelhos, na penumbra, juntamente a aparições repentinas de personagens hostis, buscam surpreender seu espectador – é a velha fórmula, mas muito mal utilizada. Há passagens que até dão fôlego a história, porém são sabotadas rapidamente quando o filme, quase se convertendo em um romance investigativo, busca aqui e ali algum susto. Sem sucesso, o diretor insere outro artifício a trama, um labirinto cuja única proposta é servir de alusão à busca de Joseph pela verdade. De melhor, o longa de Lynn Bousman oferece uma piada recordando “Louca Obsessão” e atuações controladas. O clímax sugere uma grande revelação, como às crenças sobre a data. Ela passou e nada aconteceu, igualmente o filme: esperado, passageiro e subitamente ignorado. 


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Proseando sobre... Atividade Paranormal 3



 Tem gente que vai olhar e questionar o porque fizeram mais um. Há o apelo comercial por trás, sem dúvidas, mas também existiu a necessidade de se fazer algo que trouxesse a origem dos apavorantes eventos. É a desculpa para outro filme, o terceiro, caso ignorem a realização em Tóquio. E se continuações costumam decepcionar, às vezes até mais, costumam destruir o que já foi criado, então nos resta com esse comemorar. “Atividade Paranormal 3” não é nenhuma bomba, longe disso, é uma feliz surpresa, não banaliza o original e ainda acrescenta novidades na história.

A estrutura é a mesma. O formato também, com algumas ressalvas. Câmera em punho, enquadramentos, trabalho profissional. O filme se passa em 1988, antecedendo a história dos outros dois, trazendo, dessa vez, um cinegrafista de casamentos, Dennis (Christopher Nicholas Smith), decidido em descobrir o que são os estranhos barulhos acontecidos de madrugada. A narrativa é idêntica, naturalmente, no entanto tem algo extra para ser contado. Há ainda a relevância histórica, as fitas daquele ano foram arquivadas. A história somente ocorre quando elas são descobertas e revistas. Completando a família, a esposa Julie (Lauren Bittner) e suas duas meninas, Katie (Chloe Csengery) e Kristi (Jessica Tyler Brown) – as protagonistas dos dois primeiros filmes.      

A direção é da dupla Henry Joost e Ariel Schulman de “Catfish”. Eles esboçam novos princípios a trama renovando-a. O auxílio de efeitos especiais e de um personagem cômico contribui para a narrativa não ser tão engessada e formulaica igualmente as anteriores. Se a expectativa perdurava antecedendo inevitáveis sustos, aqui o roteiro vai direto ao ponto, preparando terreno para as assombrações se manifestarem sem demora. Vale até um lençol imitando um fantasma – uma das melhores sacadas do roteiro – e também a lembrança da maldição Bloody Mary em frente a um espelho. Já a ambientação não é tão exaltada, a não ser pela referência a “De Volta para o Futuro” e os tipos de câmera da época.     

O que compromete a trama são algumas cenas que, por sua vez, não permitem que a obra torne-se crível em absoluto, como a câmera mais parecendo uma extensão do corpo de Dennis nas horas mais inapropriadas. Entendemos sua profissão e fixação pelo objeto, bem como seu voyeurismo – a proposta de filmar um ato sexual denuncia sua adoração pelo que a máquina proporciona. Ainda assim, custa acreditar em sua capacidade de largar para trás a família e as roupas, exceto a câmera. Se ignorarmos tal fato, o filme melhora, pois é limpo e sem pretensões de causar o mesmo espanto que seus antecessores. Esse garante admirável autenticidade, algo visado pela série em seu prelúdio e que quase se perdeu com o esgotamento de idéias cujas intenções eram exclusivamente aterrorizar.