quinta-feira, 30 de junho de 2011

Comentando sobre... A Vida dos Peixes


Refere-se ao distanciamento, ao deslocamento, ao afastamento das origens. Refere-se a lembrança, aos elos, a saudade. “A Vida dos Peixes” é um drama romântico chileno que trata as circunstancias cotidianas da vida, bem como reflete o que temos de abrir mão para ser feliz; ou nos consolar através de uma fantasia de que algumas escolhas, de fato, são para nosso bem. No entanto, algumas coisas são inesquecíveis e irrevogáveis. No simples ato de uma festa, o desencadeamento de lembranças refaz passos e desorienta, é o que acomete Andrés (Santiago Cabrera), chileno morador de Berlim. Ele é funcionário de uma revista de turismo o que lhe mantém muito tempo fora de casa lhe impossibilitando vínculos. Sua vida passageira lhe traz prejuízos aqui e ali. Agora resiste a um vazio existencial que outrora não sentia, e percebe tal incômodo quando revê velhos amigos, uns casados, alguns almejando o posto de Andrés, ocasionando uma inversão de valores na narrativa, sempre muito bem conduzida pelo diretor Matías Bize. Soma-se a esse desalento a lembrança de um amor abandonado, Beatriz (Blanca Lewin), mas que ainda claramente lhe sufoca. E que ótimos são os momentos os quais percebe ter feito muito na vida ao consentir perguntas de umas crianças durante um jogo de vídeo-game e ao mesmo tempo nota não ter trazido nada com isso; ou quando encontra a jovem Carolina (María Gracia Omegna), menina que vira pela última vez quando esta ainda era criança, cena que abre perspectivas do tempo e suas duras ações. Como poderia este protagonista, ao seu modo, orgulhar-se de um posto que lhe torne sozinho? Essa impressão melancólica, realçada pela fotografia exuberante e luzes cintilantes, só manifestam realidades quase insuportáveis, as quais somente coragem motivaria mudar. 

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Comentando sobre... Amor por Contrato

O título nacional de fato não é um pleno absurdo diante a proposta de seu longa, mas o apelo comercial sugere uma comédia romântica. Escrito e dirigido pelo desconhecido Derrick Borte, esta obra de potencial cômico e de subgênero dramático traz a tona os extremos midiáticos, a perversidade da publicidade e do marketing através de uma família fictícia que se instala em determinados locais durante um período afim de apresentar, secretamente, um ideal de vida cheio de produtos e marcas. A maneira que a história é proposta pelo roteiro de Borte dá um tom humorista ao que se desenrola, justificando o consumismo exacerbado cujas conseqüências talvez possam ser divididas em várias vezes no cartão. Para instituir essas noções ditas perfeitas, a família é formada pelo casal encarnado por David Duchovny e Demi Moore e pelos filhos vividos por Amber Heard e Ben Hollingsworth. Frustra ao percebermos que um argumento interessantíssimo e critico desse porte seja retalhado em pró de outros objetivos, o que não surpreende ao se tratar de Hollywood. E isso poderá ser sentido em um ato específico. No entanto, tem seu brilho ao relevar relações humanas, sobretudo dessa família, os Joneses, que funcionam como objetos vivendo uma mentira desvairada e desumana. As conseqüências não se restringem aos que estão a sua volta sedentos pelos bens perfeitos que estes quatro propagam, mas os próprios também se percebem corrompidos por esse veículo publicitário, o que dá humanidade a esses funcionais manequins. A crítica a essa modernidade consumista é certeira, porém contida, ainda assim tocante. A originalidade de seu tema triunfa. Poderia ter ido bem mais longe, é verdade. Mas é Hollywood, e como ela poderia apoiar solidamente uma auto-crítica?

terça-feira, 28 de junho de 2011

Comentando sobre... Maus Hábitos


A compulsão por comida ou pela falta dela. Fala-se também de temas atuais como anorexia e bulimia. Nesse âmbito, a retratação é o papel devorador de seus personagens – e isso atinge também a fé. O cerne é a luta de uma mãe, Elena (Elena de Haro), querendo que sua filha Linda (Elisa Vicedo) emagreça a todo custo, e mal se percebe com a saúde debilitada, resultado de um emagrecimento doentio às escondidas. Sua filha não consegue emagrecer e constantemente lhe frustra, obrigando-a a pensar em soluções alternativas e apavorantes. A narrativa apresenta um grupo que promete o emagrecimento e ovaciona aqueles que conseguem, como vaiam os que fracassam. Também nos são apresentados remédios milagreiros. “Maus Hábitos”, produção mexicana escrita e dirigida por Simón Bross, é um trabalho pesado sobre obsessões estéticas e religiosas. O jejum é um atributo cultuado por cristãos, atingindo Matilde (Ximena Ayala), uma freira crente que seu sacrifício poderá ajudar a por fim numa série de enchentes catastróficos no país. De outro lado, a obesidade é vista como atração carnal, de uma forma igualmente perigosa a necessidade de emagrecer demasiado. Numa espécie de voyeurismo, ela nos é revelada através de um adultério, num quarto de hotel, numa cama entre variados doces. Bebendo da fonte de Iñarritu, o trabalho de Bross é um exercício de estilo, contando com uma direção de arte bonita e uma fotografia escura, oprimida e triste. Intenso em suas atribuições, faz pensar os absurdos os quais estamos envolvidos devido aos padrões controladores estipulados pela mídia nos alimentando para após nos devorar. 


segunda-feira, 27 de junho de 2011

Proseando sobre... Carros 2


A emoção sempre envolveu os projetos da Pixar. Todos eram suficientemente divertidos e levavam distintos públicos ao cinema. Ano passado saiu sua obra máxima, “Toy Story 3”, que encantou o mundo. Neste ano, outra continuação de mais um de seus sucessos, “Carros 2” veio para trilhar esse caminho fabuloso das produções do estúdio, no entanto, tomaram a via errada e encontraram pela frente frustrações e um verdadeiro porre ao final do projeto com inversões de valores e moral muito mal explorada – o que aconteceu? Será que é preciso apelar para critérios comerciais? Será que a Pixar se renderia a isso? É virar as costas para o cinema. Penso, otimista, que foi apenas uma derrapagem.

Relâmpago McQueen está de volta após anos de conquistas nas pistas, agora ele é visto como referência nas corridas em todo o mundo. Mas, neste novo projeto, isso não irá importar tanto. Ele nos é apresentado a partir de uma cena contidamente melancólica lembrando de Doc Hudson que morrera e logo após foi devidamente homenageado. Nesse ato veremos também todos os personagens do outro filme – o trabalho de imediato nos enche os olhos ao admirarmos a produção requintada e caprichosa dessa animação que viria a ficar ainda mais bela mais tarde quando as cidades de Tóquio, Paris, Roma e Londres fossem exaltadas. McQueen é desafiado por um carro italiano a enfrenta-lo no Grand Prix Mundial. Ele aceita, mas... isso acaba deixado de lado.

Estamos diante uma tentativa de novidade, uma vez que a maior parte da trama reside em Mate, o carro guincho carismático que estava no lugar errado e na hora errada. Foi confundido com um espião. A maior parte das piadas acontece com ele. Este personagem que no primeiro filme era secundário, assume neste o protagonismo, o que foi um problemão: seu trejeito caipira é engraçado em poucas doses, o excesso aborreceu. E nos estranha constatar que o secundário nessa história, agora Relâmpago McQueen, é dono dos mais memoráveis momentos do longa nas cenas de corrida. “Carros 2” parece ter perdido seu foco e se afundado num terreno comercial, coisa impensável quando se pensa em Pixar. Por falar em carros, resta imaginarmos essa continuação como um acidente do estúdio.

Há personagens novos surgindo responsáveis por transformar o longa num competente filme de espionagem com direito a sacadas a Conan Doyle e cenas de ação ininterruptas no estilo Bond. Para isso, dois novos personagens surgem: Finn McMíssel, impecável combatente e Holley Caixa de Brita, que mais tarde roubará o coração (se é que ele tem um) de Mate. O trio tem de investigar a origem de alguns acidentes, desconfiando sobre o novo combustível degradável alternativo aos feitos a base de Petróleo, o que gera bastante tensão nos competidores e nos envolvidos com a corrida, colocando a vida dos três em risco. Aí está uma primeira discussão jogada no ar para depois ser descartada: alternativas com menores potenciais de poluição.

Raramente divertido, a experiência em ver “Carros 2” é puramente ligada a ação tanto nas pistas quanto fora dela. Nesse meio, surge outra discussão, carros considerados menores, ou bullynados, que mais tarde – acreditem – justificam seu mau caratismo, aversão ao mundo e aos outros por conta do que sofreram no passado. Proposta perigosa, outra moral mal desenvolvida pelo roteiro. Mas para compensar tudo isso, o cenário fascinante é um expoente dessa produção que personifica seus personagens: as gueixas e o papa móvel são interessantíssimos. O diretor e roteirista John Lasseter –seu nome aparece numa placa publicitária no filme como gag visual – parece desatento e pouco afim de entregar uma obra digna da Pixar, fazendo tudo na correria ou no piloto automático, sugerindo argumentos terrivelmente explorados e cuspindo piadas previsíveis e pouco inspiradas. Serve como divertimento, porém, ao se tratar de uma obra provinda dos estúdios Pixar é muito pouco, é quase nada.


sexta-feira, 24 de junho de 2011

Comentando sobre... Os Homens que Não Amavam as Mulheres

Os Homens que Não Amavam as Mulheres” tem em si uma grande história a ser contada para ocasionar um verdadeiro furor nos amantes de filmes de investigação. Seus traços de originalidade, por sua vez, são constantemente sabotados ao pretender se tornar um filme de massa atingindo sem grandes ousadias outros públicos. Aí nem Lisbeth Salander, a ótima personagem central, consegue salvar o que poderia ser extraordinário. Mas cá entre nós, é um filme ótimo de se acompanhar a partir da ótica de seus desvendamentos, embora o diretor freie bruscamente algumas investidas e cadencie um ritmo que hora ou outra tenta decolar. O jornalista Mikael Blomkvist (vivido por Michael Nyqvist) está para cumprir pena, mas antes foi contratado pela poderosa família Vanger com a intenção de descobrir o paradeiro de uma jovem desaparecida há mais de 30 anos. As pistas não levam a lugar algum e o caso já era dado como encerrado, mas, algumas questões reacenderam a curiosidade fazendo da busca uma obsessão perigosa e tomada por mentiras. Mikael, em suma, faz o papel do bom moço num território de âmbito aspirante a noir e vê suas ações castradas. Ao seu lado, a hacker de trejeito e personalidade toda particular, Lisbeth Salander (Noomi Rapace), a melhor coisa do filme, vai se arriscar nessa jornada que respira resquícios fascistas. O longa é baseado no sucesso literário homônimo de Stieg Larsson e certamente ganhará fãs seja lá onde seja visto. 

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Comentando sobre... As Coisas Impossíveis do Amor


Constantemente vistos como vilões, os adúlteros tem em alguns filmes a oportunidade de ter suas histórias desenvolvidas e de certa forma defendidas – e isso, claro, não os torna corretos em suas ações, mas desconstrói a imagem de monstros estigmatizada. Em “As Coisas Impossíveis do Amor”, estrelado pela oscarizada e queridíssima Natalie Portman, o papel do amante figura como cerne de uma discussão. A personagem de Portman é a responsável pelo fim de uma relação e vista como uma autêntica destruidora de lares, ainda precisa encarar um confuso enteado e uma perda terrível, seu bebê. Entrando numa série de flashbacks, nem sempre tão bem colocados, o longa começa a modelar uma história de amor visceral, com erros e acertos, com felicidades e duras tristezas, além da rivalidade proposta pela ex-mulher de seu marido que lhe faz sombra. O diretor e roteirista Don Roos concebe um filme melancólico adaptando a obra de Ayelet Waldman. Sem ter ganho devida atenção do público, o trabalho explicita a relação entre uma família sofrendo com uma perda e, além desse ato precursor dos acontecimentos da história, ainda revela uma transferência de perspectivas a partir da mágoa da personagem central, revivendo em teoria o passado em casa e reproduzindo-o quase que inconscientemente. Natalie Portman novamente deslumbra junto com Lisa Kudrow. 

terça-feira, 21 de junho de 2011

Proseando sobre... O Desespero de Veronika Voss



Robert Krohn (Hilmar Thate) é um jornalista esportivo que se vê interessado na história da decadente atriz Veronika Voss (Rosel Zech), uma ex-estrela da UFA, cinema da década de 30 da república de Weimar. A narrativa se passa na década de 50 em Munique. Segredos são compassivamente desvendados nesse roteiro linear que evoca a curiosidade confundida com o interesse afetivo de um homem por uma mulher desconhecida. Neste filme de aparência elucidada, mas que reserva omissões dispostas ao mal do outro pelo bem próprio, uma busca desenfreada por respostas capta a perversidade egoísta por grandeza ao tratar a desilusão e infelicidade da vida de modo a constatar a perversidade alheia.

O diretor Rainer Werner Fassbinder que morrera em condições até hoje não definitivamente esclarecidas, provoca seu público a se atentar a circunstâncias da vida e no que nos agarramos para sair de determinados problemas. Para isso, explora a fotografia em P&B contrapondo o bem e o mal, bem como a moral que permeia esses extremos. As relações postas em cena assinalam uma narrativa sufocante, a qual o papel dominante gera desconfiança pela incerteza e objetivo do cuidado – e reflete no real interesse que um tem para com o outro. É a dúvida sombria imposta que se clareia durante a projeção e encontra um final aterrador.

Quem ler rapidamente a sinopse deverá se recordar de “Crepúsculo dos Deuses” do Billy Wilder. Ambos trazem o envelhecimento como cerne, diagnosticando a idade como um tabu para o cinema, o desinteresse que produtoras passam a ter com suas estrelas quando estas já não atendem mais os ideais e padrões propostos socialmente para o cinema e precisam ser descartados. Veronika Voss percebe o tempo influir em sua carreira e somatiza problemas que a impedem de protagonizar filmes. Há quem a respeite – ou finja respeitar – não a escalando para papéis secundários com a desculpa de que ela não pode se submeter a eles. Essa rejeição é somada a sua saúde debilitada, e permanece internada sob os cuidados da Dra. Marianne Katz (Annemarie Düringer).

Escrito por Fassbinder juntamente a Pea Fröhlich e Peter Märthesheimer, “O Desespero de Veronika Voss” é uma constante seqüência de cenas que elevam a grandeza do cinema autoral do diretor. Somos surpreendidos cena após cena e nesse arco de suspeitas e interesses, o jornalista impetuoso Robert Krohn aparece como vítima absorvendo a condição de Veronika internada devido a um vício: a morfina. Nessa clínica, idealizada assustadoramente branca, pacientes são colocados sob tratamento intensivo para vencer a dependência pela droga – e a forma de tratamento levanta outras questões que não só visa a cura, mas o mantimento.

Repleto de reviravoltas e com um desenrolar intrigante, “O Desespero de Veronika Voss” é um trabalho instigante na carreira de Fassbinder, denunciando a perversidade através do cuidado e a redoma de intenções ao seu redor. Dividindo tempo com uma afronta social, o roteiro explora no existencialismo o tempo e suas conseqüências, e revela através de um olhar austero a ambição de uma vida dedicada a arte e tomada pela recriminação. Com atuações poderosas, sobretudo de Rosel Zech, o longa é um intenso estudo sobre relações humanas e os assuntos que o permeiam no ato em que a moral e a ética decaíram. E a liberdade almejada? O rompimento dessa busca se dá na perspectiva do acalento do vício, é mais fácil ser dominado do que lidar com a falta, e assim, juntamente a alguns sensos, a protagonista desaba e o filme resplandece. 

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Comentando sobre... Por um Sentido na Vida


A transitoriedade em pauta num drama sobre a existência humana e as infelicidades que rodeiam a vida, concentrando numa funcionária de uma loja de conveniência cada vez mais frustrada com sua condição social e afetiva, sobretudo pela impossibilidade de ter um filho. Dirigido pelo porto-riquenho Miguel Arteta, este drama indie com pitada de romance – e digo pitada porque o foco não é um desenvolvimento afetivo, mas uma dependência – é um trunfo na carreira de Jennifer Aniston, atriz costumeiramente envolvida com comédias românticas. Aqui houve possibilidades de demonstrar talento ao encarnar uma personagem difícil e tensa. Juntamente a ela, seu marido vivido pelo bonachão John C. Reilly, igualmente frustrado socialmente, dá dignidade a um pintor interessado em viver uma vida de regalias e fumar maconha junto a um amigo no sofá da sala sem se preocupar com a demanda urgencial de sua esposa: aumentar a família. O filme é um interessante reflexo de relações que caem na passividade e monotonia – também reflete vidas engessadas mergulhando em melancolia. Notem a loja a qual boa parte do filme contextualiza sempre fria, distante e repetitiva; e os olhares provindos de seus funcionários estáticos. No elenco também estão Zooey Deschanel e Jake Gyllenhaal. Este segundo representando a fuga da personagem de Aniston, e vale até uma metáfora justificada com a obra “O Apanhador no Campo de Centeio”. Ambos procuram algo novo a qualquer custo para encontrarem algum bom sentido em suas inanimadas vidas.


sábado, 18 de junho de 2011

Comentando sobre... A Centopéia Humana


Se para ganhar atenção é preciso apelar, então o filme “A Centopéia Humana” é um tiro certeiro. Na tv, na música, no cinema, artifícios que provoquem, horrorizem ou escandalizem o outro são atributos básicos para ganhar atenção. O gênero terror, um dos mais discutíveis, é alvo de busca por inovação. Assim, diante o desgaste de idéias e o distanciamento do modelo B oitentista, restou apenas exagerar na carnificina para impressionar. Para citar exemplos, saíram desse bolo a franquia “Jogos Mortais” e “O Albergue”. Recentemente apareceu outra novidade, “A Centopéia Humana”, onde, mais do que propor horror, propõe uma obsessão, centrando num médico alemão disposto a unir 3 corpos (aqui duas turistas americanas e um asiático) e assim criar a centopéia humana, com base num sistema digestivo único. Nojento, sim. Exagerado, também. Mas é uma boa idéia, pelo menos seria, caso o propósito não fosse exclusivamente nausear o público. Há uma moral travestida e uma ótima cena envolvendo um ato insano quanto a possibilidade de estar diante Deus. Tenso ao seu modo, o universo retratado é um deleite apenas para fãs de um estilo carniceiro. A direção e roteiro ficaram a cargo de Tom Six – e para quem gostou, aguarde, vem mais por aí.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Proseando sobre... Deixe-me Entrar


Os filmes de vampiro que tanto estão na moda atualmente graças a saga “Crepúsculo” tiveram um exemplar sueco fabuloso lançado no Brasil no final de 2009. Era o longa “Deixa ela Entrar”, dirigido por Tomas Alfredson. Não demorou para que Hollywood decidisse fazer a sua versão da história com um remake dirigido e escrito por Matt Reeves. Esta refilmagem, se comparada a outras recentes, é bastante competente, embora não sustente e nada acrescente a obra original, a não ser pela presença de uma pequena e encantadora promissora atriz, Chloe Moretz!

Ambientado numa pequena cidade do Novo México, o filme apresenta a vida de Owen (Kodi Smit-McPhee), um garoto bullynado por outras crianças na escola. Passando o tempo inteiro sozinho – e isso se reflete também em sua casa onde o contato com a mãe divorciada é quase nulo – o menino de vida oprimida, saliente na fotografia de Greig Fraser que o coloca numa casa pouco iluminada e sem qualquer ânimo, gasta sua vida em uma cidade que deseja quando mais velho abandonar. Quando não está na escola passa as horas observando seus vizinhos, numa versão de James Stewart, em “Janela Indiscreta” jovem e acuada. Sensorialmente triste, o longa percorre 2 semanas de uma cidade tomada pela neve que vem deixando todos em alerta por causa de estranhos assassinatos.

Essa vida desinteressante para uma criança muda quando no playground encontra a jovem Abby, descalça, negando o frio e agindo desconfiadamente. O garoto não esconde seu interesse pela menina que a pouco mudou para o apartamento vizinho e procura aproximação. A relação é bem conduzida pelo diretor sem que se torne inapropriada ou inverossímil, acontecendo compassadamente. O problema é que a garota esconde um segredo, e teremos acesso a ele logo no ínicio, ela não é humana, é uma vampira que precisa de sangue humano para sobreviver e tem em seu lar um cuidador (vivido por Richard Jenkins quase irreconhecível) que sai nas noites fazendo vítimas para lhe trazer sangue.

O diretor introduz na narrativa a possibilidade de amizade e desenvolve com carisma o afeto partilhado desse casal que cada vez mais próximo confiam segredos. Essa garota que surge como ameaça é o conforto do jovem Owen, e esse ato opõe sua relação com seus pais que não oferecem qualquer função com seu filho: sua mãe, sempre ofuscada pela câmeta, prevalece distante; seu pai, igualmente longe, aparece somente  durante uma ligação. Já na escola, Owen cada vez mais confiante sobre si, decide enfrentar seus problemas com a tradicional justiça com as próprias mãos e busca revidar – o que nos leva a constatar, em um determinado ato, a agressividade de crianças uma com as outras sendo que Owen é lesado por uma criança que é igualmente agredida por outra.

Na sua composição fria, o desfecho caminha para um final emocionalmente trágico. Quem o assistir irá compreender. Abby não pode residir numa cidade por muito tempo e precisa constantemente se mudar, uma vez ser perseguida por autoridades envolvidas com a investigação dos corpos encontrados – nessa cidade, o policial vivido por Elias Koteas avança sobre as pistas cada vez mais denunciantes. Chloe Moretz, que esteve recentemente em “Kick-Ass”, encarna a vampira com empenho e oferece uma performace de uma grande promessa Hollywoodiana. Seu carisma contribui demais com facetas irresistíveis e olhar inocente que dá maior credibilidade a sua adorável personagem.

Enquanto uma refilmagem, “Deixe-me Entrar” pouco oferece visto que o original evoca com mais autenticidade as relações. A trilha sonora aqui consente o clima e embeleza a obra. Bom para quem desconhecia a versão sueca podendo se desfrutar de uma verdadeira história de vampiros refletindo, sobretudo, os laços entre as pessoas demonstrados aqui demasiado distantes. É um projeto ótimo de se acompanhar, principalmente pela interação da dupla Smit-McPhee e Moretz e pela abordagem não ser tão limitada a um universo fantástico visando unicamente explorar violência, mas sim discutir virtudes e também religião.


quinta-feira, 16 de junho de 2011

Comentando sobre... RED - Aposentados e Perigosos

O tempo passou e alguns astros do cinema envelheceram. Alguns envelheceram bem. Mas nenhum deles perdeu o jeito e ano após ano aparece um filme trazendo-os como protagonistas, se destacando aqui e ali. Em “RED”, movimentado filme de ação, alguns agentes também estão aposentados tentando constituir família – e entra o pesar do tempo, da possibilidade de ser feliz, um ensinamento provindo de “Os Sete Samurais” do Kurosawa. Mas, antes que estes possam definitivamente seguir adiante com suas vidas, algo acontece: alguém está matando ex-agentes. É preciso reunir a tropa. O diretor Robert Schwentke (“Plano de Vôo”) tem em mãos a “Rainha” Helen Mirren, o boa praça Morgan Freeman, o paranóico e engraçadíssimo John Malkovich e o duro de matar Bruce Willis. A quadra vai entrar numa aventura explosiva cheia de piadas e de sacadas inspiradas. Nenhum deles será lembrado por essa obra que apenas entretém, mas é muito bom ver ícones em forma e se divertindo tanto. 

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Comentando sobre... Pink Flamingos

Bizarro em sua estrutura e composição. Inusitado em seu desenvolvimento e nas situações propostas. Esse “Pink Flamingos”, trabalho de John Waters, não é para todos os gostos o que lhe renderá um público bastante limitado. As risadas acontecem, por vezes esbaldam, todas originárias do senso do ridículo o qual seus tão bem caracterizados personagens estão sujeitados. Tratando de perversão e de deboche escatológico, centrando sempre na drag queen Divine, o longa vai tratar de uma disputa entre aqueles que seriam as pessoas mais podres vivas. E tanta podridão divertirá apenas quem se interesse pelo trash underground, e quem possui um estômago forte o bastante para suportar 90 minutos de pura obscenidade. Há algo a se refletir por traz do ridículo despertando além de risadas e nojo alguma possibilidade de discussão. 

terça-feira, 14 de junho de 2011

Proseando sobre... Malu de Bicicleta



Neste cenário atual do cinema nacional, algumas obras vêm ganhando força pela vitalidade e originalidade, distanciando-se da ótica estereotipada de que no Brasil só se faz filme de favela. A verdade é que o cinema nacional é rico em variedade, mas sabotado pela falta de divulgação. E temos também grandes adaptações cinematográficas baseada em obras de nossa literatura. Recentemente, os fãs do escritor Marcelo Rubens Paiva puderam conferir “Malu de Bicicleta”, obra homônima de seu livro de 2003. Os grandes centros assistiram o longa nos cinemas. Agora, nas locadoras, novos espectadores terão acesso a esse belo e contemporâneo romance.

Dirigido por Flávio Tambellini, “Malu de Bicicleta” vem contar o drama de um mulherengo, um conquistador paulistano que colecionava mulheres na noite e as tinha como objetos de seu prazer. Sua desculpa era gostar demais de mulher e querer passar um tempo com todas elas. Não demora para isso ser desconstruído e o roteiro assinado pelo próprio Rubens Paiva nos entregar um grande solitário que necessita de alguma companhia para se suportar.

A narrativa é branda e o romance desenvolvido acontece de maneira natural após Luiz Mário (Marcelo Serrado) decidir tirar umas férias no Rio de Janeiro depois de ser ameaçado por uma de suas garotas. No cenário praiano, imediatamente depois de se flagrar consumido de desejo pelas mulheres locais, é atropelado na orla por Malu (Fernanda de Freitas) com sua bicicleta, esta que estava a caminho da análise. A moça deixou o rapaz sem ferimentos, mas com uma curiosa fixação. Agora Luiz quer revê-la e entender o que essa estranha tem que tanto lhe interessou. Inicia-se uma longa espera com água de coco e conversas vãs.

Construído de modo seguro por Flávio Tambellini, o filme se mostra eficaz na sua proposta de tratar um relacionamento repentino que se engrandece organicamente e convincentemente com este casal enfrentando barreiras para ficar junto, inclusive a distância. Nessa perspectiva, Tambellini dá um tom mais cômico a Luiz Mário enquanto Malu se torna um enigma para o público desconfiado quanto suas atitudes. Utilizando elaborações idealizadas de como o personagem gostaria de lidar com a situação ao contrário do que ele realmente faz, igualmente a várias cenas de “Réquiem para um Sonho”, este “Malu de Bicicleta” se apropria da técnica visando um apelo ao humor. E funciona.

Os atores engatados se divertem em cena. Fernanda de Freitas e Marcelo Serrado acertam por dar naturalidade aos personagens tornando-os críveis. O personagem de Serrado se definha na sua perspectiva como se vivesse um primeiro amor e o ciúme reforçado por projeções imaginativas e comentários de outros, se tornando um tipo de personagem Shakesperiano doentio – e isso é desenvolvido com a sutileza de Rubens Paiva – passando da comédia ao drama. As risadas constantemente acontecem e o ritmo sempre leve contribui para que essa pequena obra seja uma experiência satisfatória no cenário do cinema nacional. Vale dar uma conferida no livro antes de assistir o filme. 


sábado, 11 de junho de 2011

Proseando sobre... Kung Fu Panda 2


Ele é carismático, simpático, engraçado e faminto. Ele é Po, o astro de “Kung Fu Panda”, um urso considerado o guerreiro dragão por uma profecia, este revelou-se detentor de uma arte marcial milenar, o Kung Fu. Conferimos um pouco de sua história no primeiro filme. Agora acompanharemos sua trajetória desde pequenino, o que o levou a ter um ganso como pai e cuidar de um restaurante. Saberemos também sobre seu passado familiar e o que o destino lhe reservou nessa nova super aventura banhada com comédia e emoção.

Nessa segunda parte, bem mais movimentada que a primeira, iremos adentrar no passado desse personagem através de lapsos que o paralisam e o leva a uma espécie de dimensão inconsciente o qual relembra suas origens – a composição dessa lembrança é um feito luxuoso da produção. Tal fato o impede de lutar. Esse mergulho neste passado evoca a presença de uma nova ameaça, um novo inimigo desejoso em banir o Kung Fu e dominar toda a China. Este é Lord Shen, um pavão branco que traz uma arma poderosa capaz de causar sérias destruições no reino. Po juntamente aos cinco furiosos tem que pará-lo, mas há uma dificuldade a mais que impede o panda de prosseguir na batalha relativo à proveniência deste pavão.

Dirigido por Jennifer Yuh e roteirizado pelos mesmos responsáveis do primeiro filme, Jonathan Aibel e Glenn Berger, essa continuação ganha pontos por sua agilidade. Se antes “Kung Fu Panda” prezava a história e as referências da cultura Chinesa, esse segundo momento é pura ação com laços de fraternidade nas saudosas e emotivas descobertas de seu protagonista. Os personagens da primeira empreitada também retornam: o Louva-a-Deus, o Macaco, a Garça, a Tigresa e a Víbora. Nenhum tem tanto destaque, mas funcionam com piadas leves e gags que prometem divertir o público infantil – que ótima é a cena em que fantasiados devoram os lobos; ou as frustradas tentativas de Po soar imponente. O mestre Shifu, embora pouco apareça, tem participação fundamental na trama com um ensinamento não só para as batalhas, mas para se levar para a vida.

Preservando a cultura chinesa, e isso é saliente principalmente na composição daquele universo bem desenhado pela produção, “Kung Fu Panda 2” ganha força pela originalidade e transparência da trama. O roteiro não é inventivo, é contido, faz pouco, mas o bastante para divertir seu público não somente com seu hilário protagonista, mas também pelas referências e simbologias. Nesse sentido, o pavão Lord Shen é um feito interessantíssimo em sua caracterização. Emblemático em seu papel de vilão, carrega o branco como destaque neste filme de cores quentes costumeiras do país retratado. A ave representa de alguma forma um luto sentido tardamente, sendo o branco o símbolo de luto na China. Taí uma boa continuação.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Proseando sobre... Os Agentes do Destino


Passado inteiramente de forma dinâmica, esse “Os Agentes do Destino” insere o espectador num mundo de perguntas cujas respostas são preenchidas lentamente e com algumas originárias a partir de nossa compreensão de mundo. Rápido, já em seu início acompanharemos uma apresentação eficiente e empolgante sobre a trajetória de seu protagonista na política. O filme não demora para inserir seus personagens e o público num plano de difícil compreensão. Nele homens trajam sobretudos e chapéus escuros contando sobre suas interferências no destino dos humanos a mando de um tal “presidente”. Esse destino, explicado no decorrer da narrativa, é de difícil aceitação por obrigar o protagonista a abrir mão daquilo que completamente lhe basta, um amor.

A identificação do que se desenrola na história implica na crença do espectador e isso é um trunfo que o roteiro ágil de George Nolfi, baseado na premissa de um conto de Philip K. Dick, sugere. Esses seres que vagam pela cidade como homens comuns denotam um papel de guardiões interventivos, ou anjos, como questionado em um momento por David Norris (Matt Damon). Várias hipóteses podem ser discutidas sobre a função desses estranhos homens. Aí a elaboração narrativa se condensa na ótica de quem assiste ao filme. Portanto, não se frustre caso algo não fique claro, é papel de quem o repara compô-lo segundo o que acredita.

Brincando com o intermédio do acaso no destino escrito, – sim, o destino é mapeado num livro – o longa trava um duelo entre a ânsia de um homem ciente do que precisa fazer, mas incapaz de realizar devido a um encontro que deveria ser apenas para alterar o rumo de um discurso político que daria. Nesse ato entra Elise Sellas (Emily Blunt), uma bailarina promissora, responsável pela alteração repentina na vida de David, mantendo-o interessado por muito tempo. Mas essa alteração de percurso tem um custo e uma perseguição se inicia com os agentes do destino, encabeçado por Thompson (Terence Stamp), buscando minimizar os possíveis danos que o desvio de rota acarretaria.

Responsável pelo roteiro de “O Ultimato Bourne” e “Sentinela”, Nolfi realiza aqui o seu mais intrigante trabalho estando responsável também pela direção – é a sua estréia na cadeira. O cara demonstra aqui habilidade na condução de seu elenco e no desenvolvimento dos entraves sempre muito movimentados e regados à curiosidade colocando portas com a função de portais para distintos locais de Nova York. No entanto, são poucos os filmes em que os microfones aparecem com tanta freqüência como em “Os Agentes dos Destino” o que torna a experiência de certa forma amadora, mas sem comprometer seu brilho quanto a originalidade e potencial temático. Acrescentando um casal cheio de química, Blunt e Damon convencem enquanto apaixonados, o filme filosofa o destino a partir de um encontro casual e pensaremos a idéia proposta do livre arbítrio como um bem limitado, dada às circunstancias envolventes que tornam a vida pré definida. Fugir do destino ou ousar muda-lo resulta em severas conseqüências e é preciso de coragem e uma grande razão para enfrentá-las – David Norris tem uma.