terça-feira, 21 de junho de 2011

Proseando sobre... O Desespero de Veronika Voss



Robert Krohn (Hilmar Thate) é um jornalista esportivo que se vê interessado na história da decadente atriz Veronika Voss (Rosel Zech), uma ex-estrela da UFA, cinema da década de 30 da república de Weimar. A narrativa se passa na década de 50 em Munique. Segredos são compassivamente desvendados nesse roteiro linear que evoca a curiosidade confundida com o interesse afetivo de um homem por uma mulher desconhecida. Neste filme de aparência elucidada, mas que reserva omissões dispostas ao mal do outro pelo bem próprio, uma busca desenfreada por respostas capta a perversidade egoísta por grandeza ao tratar a desilusão e infelicidade da vida de modo a constatar a perversidade alheia.

O diretor Rainer Werner Fassbinder que morrera em condições até hoje não definitivamente esclarecidas, provoca seu público a se atentar a circunstâncias da vida e no que nos agarramos para sair de determinados problemas. Para isso, explora a fotografia em P&B contrapondo o bem e o mal, bem como a moral que permeia esses extremos. As relações postas em cena assinalam uma narrativa sufocante, a qual o papel dominante gera desconfiança pela incerteza e objetivo do cuidado – e reflete no real interesse que um tem para com o outro. É a dúvida sombria imposta que se clareia durante a projeção e encontra um final aterrador.

Quem ler rapidamente a sinopse deverá se recordar de “Crepúsculo dos Deuses” do Billy Wilder. Ambos trazem o envelhecimento como cerne, diagnosticando a idade como um tabu para o cinema, o desinteresse que produtoras passam a ter com suas estrelas quando estas já não atendem mais os ideais e padrões propostos socialmente para o cinema e precisam ser descartados. Veronika Voss percebe o tempo influir em sua carreira e somatiza problemas que a impedem de protagonizar filmes. Há quem a respeite – ou finja respeitar – não a escalando para papéis secundários com a desculpa de que ela não pode se submeter a eles. Essa rejeição é somada a sua saúde debilitada, e permanece internada sob os cuidados da Dra. Marianne Katz (Annemarie Düringer).

Escrito por Fassbinder juntamente a Pea Fröhlich e Peter Märthesheimer, “O Desespero de Veronika Voss” é uma constante seqüência de cenas que elevam a grandeza do cinema autoral do diretor. Somos surpreendidos cena após cena e nesse arco de suspeitas e interesses, o jornalista impetuoso Robert Krohn aparece como vítima absorvendo a condição de Veronika internada devido a um vício: a morfina. Nessa clínica, idealizada assustadoramente branca, pacientes são colocados sob tratamento intensivo para vencer a dependência pela droga – e a forma de tratamento levanta outras questões que não só visa a cura, mas o mantimento.

Repleto de reviravoltas e com um desenrolar intrigante, “O Desespero de Veronika Voss” é um trabalho instigante na carreira de Fassbinder, denunciando a perversidade através do cuidado e a redoma de intenções ao seu redor. Dividindo tempo com uma afronta social, o roteiro explora no existencialismo o tempo e suas conseqüências, e revela através de um olhar austero a ambição de uma vida dedicada a arte e tomada pela recriminação. Com atuações poderosas, sobretudo de Rosel Zech, o longa é um intenso estudo sobre relações humanas e os assuntos que o permeiam no ato em que a moral e a ética decaíram. E a liberdade almejada? O rompimento dessa busca se dá na perspectiva do acalento do vício, é mais fácil ser dominado do que lidar com a falta, e assim, juntamente a alguns sensos, a protagonista desaba e o filme resplandece. 

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