segunda-feira, 6 de junho de 2011

Proseando sobre... X-Men – Primeira Classe


Pessoas com habilidades especiais, mutantes que se consideram o próximo passo da humanidade, parte inevitável da evolução. Mas esse é um ponto de vista daqueles que se aceitam diferentes como defesa. Dito isso, entre os mutantes também há discórdia. Para alguns, o poder não é um bem, mas uma maldição. Entre esses está Mística, repulsiva ao que é e temente quanto a possibilidade de ser considerada anormal socialmente, o que lhe gera profunda angústia. Nesse emaranhado de questionamentos sobre diferentes condições, mas que possuem a mesma lógica e funcionamento humano, exceto pelos considerados dons que cada um dos personagens têm, pode-se pensar na hipótese de que, enquanto seres, todos são definidos dentro de sua história de vida sem nascerem prontos, assim, é o mesmo progresso humano num conceito Sartreano de que a existência precede a essência – e esse foco dá a “X-Men – Primeira Classe” um charme irresistível.

Quem olhou o cartaz do filme ou assistiu o trailer e não torceu o nariz? Uma vez disse que o cinema reserva grandes surpresas e esse novo “X-Men” é uma de suas mais notáveis. Funcionando como um prelúdio dos 3 primeiros filmes (digo isso ignorando completamente o fiasco “Wolverine”), esse início traz antes de tudo o auto descobrimento pessoal cercado de dúvidas. O filme centra-se em Charles Xavier (James McAvoy), Raven Darkholme (Jennifer Lawrence) e Erik Lehnsherr (Michael Fassbender). O trio nos é apresentado de maneira bastante dinâmica e curiosa – diferente daqueles personagens conhecidos nas outras obras. Eles são jovens, Xavier é um galanteador. Raven, que adotará mais tarde o codinome Mística, se aflige por sua anomalia genética que lhe rende uma aparência diferente (pele escamosa, cor azul, olhos amarelos) e se sente obrigada a assumir uma outra identidade; e Erik, ou Magneto, o grande personagem do filme, é enobrecido pelo ódio e pela sede de vingança resultante de uma tragédia durante o holocausto.

Nessa composição de mundo nos anos 60, a humanidade descobre esses seres diferenciados e se apóiam em segregações tal como aconteceu na história com algumas minorias. O roteiro é inteligente ao frisar esse infortúnio pessoal que divide os mutantes, uns pretendendo defender os humanos e viver em paz com eles; outros entendem que a humanidade lhes é uma ameaça e precisam dominá-la. Esse embate é orgulhoso e se enriquece pelo dinamismo e seriedade imposta pelo diretor Matthew Vaughn ("Kick Ass") que concebe um trabalho excepcional por trás das câmeras. O diretor dá um tom sensato ideal sobre as discussões desenvolvidas ao mesmo tempo que garante comicidade em pequenas e importantes cenas – notem o momento do recrutamento e uma cena em especial num bar que deverá fazer o público, especialmente os fãs de "X-Men", delirar. O roteiro é outro trunfo, é enxuto, direto ao ponto não dando margens para maneirismos ou artifícios exclusivamente estéticos, – até porque os efeitos aqui não são dos mais atraentes – como outros filmes baseados nos heróis da Marvel. Desta forma o diretor articula com competência coisa séria com bom humor.

Retratado com capricho, a década sessentista está bem elaborada contextualizada pelos acontecimentos históricos (ameaças nucleares, bombas em Cuba) num plano de fundo a fim de desenvolver a história dos mutantes. Nesse ponto, se inserem grandes personagens: Fera (Nicholas Hoult), Banshee (Caleb Landry Jones), Darwin (Edi Gathegi), Destrutor (Lucas Till), Angel (Zoe Kravitz) e Azazel (Jason Flemyng), todos devidamente apresentados e explorados. E tratando-se de um filme conceitualmente heróico, é preciso de um bom vilão para entreter e ameaçar. Entra em cena Sebastian Shaw (vivido idoneamente por Kevin Bacon), desafeto de Magneto, querendo angariar mutantes e dominar o mundo. Debruça-se sobre um plano de ocasionar uma terceira guerra mundial através da proposta de um embate entre Estados Unidos e União Soviética. Durante essa catástrofe, Shaw poderia finalmente emergir e imperar. Juntamente a ele, a telepata Emma Frost (January Jones) irá travar um duelo pessoal interessantíssimo com Xavier. Com a respeitável conquista de dar crédito a todos os personagens, o diretor ainda ganha atores inspirados: McAvoy está irrepreensível e dá uma dicção brilhante a Charles Xavier; já Fassbender aprendeu com Christoph Waltz em "Bastardos Inglórios" e entrega uma performance imponente e sarcástica; já Lawrence, indicada ao Oscar esse ano por "Inverno da Alma", dá dignidade e beleza a tão intensa persona Mística.

“X-Men – Primeira Classe” vem quebrar barreiras e torna-se um dos melhores filmes de herói do cinema combinando uma boa e rica história com diversão, rendendo discussões a respeito das condições do homem na história e o que este fez pelo mundo e por seus semelhantes. Aqui, uma nova raça é posta como fruto da evolução, mas vivendo nas mesmas condições dos humanos. Tornar-se humano em suma é um desejo de alguns e um desacato para outros. A perspectiva de se tornar quem é devido aos eventos ocorridos durante a história de vida se aplica também aos mutantes. Sua existência próxima a nossa não é o bastante para possibilitar um convívio em paz, e assim, predomina-se o interesse e a separação. Tal fato não é ficção. A metáfora era clara nos primeiros filmes, aqui está ainda mais forte e evidente. Numa terra em que negros, asiáticos, prostitutas, judeus tanto sofreram, os mutantes também surgem como minoria e naturalmente tornam-se alvo da estúpida intolerância humana predominante. Aliar essa discussão a um potencial filme de entretenimento é um feito esplêndido e “X-Men” não só surpreende como um grande filme, mas exalta um riquíssimo argumento.


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