domingo, 31 de julho de 2011

Proseando sobre... Namorados para Sempre



Um relacionamento visto por nós espectadores como autêntico, tudo porque essa obra escrita e dirigida por Derek Cianfrance não é pra fazer chorar, não é para emocionar, é para ser cruel, intimista e real. Não que todos os relacionamentos corram o risco de chegar ao ponto o qual este posto em cena chegou. Longe disso, mas, a sentença “felizes para sempre”, na maioria das vezes, funciona unicamente na fantasia. Tolerar um ao outro é uma tarefa árdua, a conquista desse feito é difícil. Nela, talvez, resida o amor e a aceitação. Tornar-se “Namorados para Sempre” não é só uma escolha. O filme demonstra isso incrivelmente bem.

Favorecido por uma performance dupla irrepreensível, mais do que isso, tocante, de Ryan Gosling e Michelle Williams que vivem Dean e Cindy, este trabalho atravessa anos de uma relação calorosa, ressentida atualmente pelo sofrimento e sentimento de abandono. O afago tornou-se receio, e a relação disposta amarga. São dois pólos: Cindy, distante, é ciente da metamorfose provocada pelos anos de convivência; Dean, perplexo, interioriza sua frustração e racionaliza o momento, preferindo acreditar que se trata apenas de uma fase difícil, transitória. Cenas do passado refazem o encontro entre os dois, o desenvolvimento da relação e o casamento. O passado.

As risadas podem até acontecer, ameaçam em alguns pontos, mas passa longe de qualquer perspectiva de comédia romântica. A esperança presente remete a um alívio latente, porém não influi, não resgata o ideal romântico sugerido por seu título nacional. Somos convidados pelo diretor a acompanhar os detalhes de um desgaste emocional, buscando um passado enérgico influindo num sereno presente sem sabor, e se sensorialmente o longa consegue nos atingir de imediato, causando uma sensação próxima de mal estar compartilhado com seus personagens, então a escolha de Cianfrance em seguir seus atores buscando neles qualquer naturalidade que evoque sua ação, transmitindo o sentimentalismo injetável através de olhares, toques, gestos de forma dinâmica, terna e impressiva, é definitivamente certeira.

“Namorados para Sempre” é um dos romances mais intensos dos últimos anos, trazendo não só a singularidade de um casal a beira do fim, mas a perspectiva outrora projetada do que se poderia fazer para ser feliz um com o outro. Vale tudo nessa tentativa. A lembrança reverte a situação, mas momentaneamente, como um sono diante ao desastre iminente. Se acentua cena após cena o que se fez com o tempo e o quanto este percorreu até ali naquela encruzilhada. O rumo parece óbvio, mas há tanto a se considerar que parece impossível se virar e deixar-se ir. Restam recordações e distintos caminhos. Nesse sentido, que futuro pode ser certo? Que amanhã pode ser garantido? Que chama que não se apaga? Que amor que perpetua? Que ideal de mundo que não se desconstrói? Perguntas sem respostas. E se Renato Russo já dizia que “o para sempre, sempre acaba”, resta, então, um certo pessimismo no olhar do espectador ao constatar o futuro do casal. É bom saber que temos o futuro em mãos e podemos fazer o que quisermos com ele.

sábado, 30 de julho de 2011

Proseando sobre... Capitão América: O Primeiro Vingador



Estranha constatar o físico do Capitão América no primeiro ato. Não só minúsculo e frágil, o rapaz também é alvo de sérias doenças, o que lhe impede de ingressar no exército e combater na segunda guerra. Mas nem só de força um homem é feito, e tal idéia parece ser defendida pelo Dr. Abraham Erskine (Stanley Tucci) que vê no jovem asmático Steve Rogers (Chris Evans) um ideal de homem cuja coragem, honra e bondade sobressai a força física descerebrada e violenta. Ele torna-se o alvo de um experimento para a criação de um super-soldado. Essa experiência não deixa de soar emotiva quando se afirma sobre um homem que nunca conheceu a força daria muito mais valor a ela quando a conquistasse; e o potencial virtuoso de um ser seria reafirmado com muito mais ênfase. Cria-se então, o primeiro vingador, o Capitão América.

Um grande salto no tempo, retornaremos a quase 70 anos no período da segunda guerra mundial. Hitler está no poder e ameaça o mundo. O exército americano, por sua vez, tem de pará-lo, no entanto, reconhecem um oponente ainda mais ameaçador, Johann Schmidt (vivido pelo hábil Hugo Weaving) que se converterá no Caveira Vermelha. Seu traje impecável essencialmente nazista esconde uma figura maligna cujos planos absurdos e insanos se volta contra seu próprio dogma, tornando-o uma figura centrada unicamente na destruição segundo seus próprios interesses. Colocar nazistas como vilões já é tradição, utilizar de sua tecnologia obscura, formada pelo Hydra, estipula um novo viés a trama e consequentemente, a uma nova entidade opositora. Assistir um grupo de soldados saldarem “Heil Hydra” de uma maneira próxima a de “Heil Hitler”, parece, no mínimo, bizarro.

A direção é de Joe Johnston, responsável por projetos como “Jumanji” e “Jurassic Park 3”. Demonstrando talento no ornamento e direcionamento dos personagens, Johnston supre o filme de bons momentos de alívio cômico, sobretudo com o Gen. Chester Phillips (Tommy Lee Jones, mal humorado e engraçadíssimo). São várias as cenas em que o humor sobrepõe a história, deixando no ar a hipótese do desvio de atenção, uma vez que, se este filme serve como introdução ao que virá em 2012 com os vingadores, não deixamos de constatar sua necessidade promocional do personagem que passou anos esquecido. É preciso rolar alguma identificação com o público com ele. O filme consegue isso e principalmente Chris Evans permite a conclusão deste objetivo.  

Famoso por viver o Tocha-Humana na fraca franquia “Quarteto Fantástico”, Evans era apenas o tipo galã irresponsável. Ao viver um dos maiores heróis da Marvel, ganhou a oportunidade de tornar-se maior e talvez imortal para os fãs do quadrinho e revitalizou a caricatura barata que empunhava ao viver com índole esse personagem cuja dignidade é exaltada tornando-o, entre os vingadores, o mais nobre. Não só o trejeito inicial apresentado garante essa certificação, mas a ternura vigente após sua transformação também satisfaz. Até seu uniforme, anteriormente visto com certa ironia, ganha interesse quando entendemos sua função inicial de fomentar uma marca, para depois se consolidar trazendo uma representação nacionalista e ufanista. O carisma delineado por Evans ganha força também por seu estilo atrapalhado frente a uma garota, o que torna a relação com a oficial Peggy Carter (Hayley Atwell) num desejo tortuoso, mas otimista.

Com um roteiro que prioriza a inserção do Capitão América na mente dos espectadores que aguardam o filme dos “Vingadores”, este trabalho peca na ação. Se as constantes cenas de luta entre Steve Rogers e seus oponentes funcionam apenas para destacar o poder e imponência do herói destruindo os inimigos, o esperado duelo com o Caveira Vermelha, que provavelmente seria intenso, nos parece minúsculo diante a expectativa estabelecida na narrativa. Desta forma, pensamos na hipótese de uma preparação para o que virá no futuro quando reunirem os heróis da Marvel. Já os efeitos especiais estão devidamente colocados sem exageros, favorecendo a exigência de seu gênero. Aqui também veremos Howard Stark (Dominic Cooper), pai de Tony Stark e o quanto este foi importante para o armamento americano. É filme para estadunidense se orgulhar e para fãs de herói se divertir e esperar pela união futura já no próximo ano.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Proseando sobre... Inverno da Alma


“Inverno da Alma”, filme indicado ao Oscar em 2011, dirigido por Debra Granik que também é roteirista, questiona o passado e o presente de sua protagonista e olha o futuro com pessimismo. Se ambienta num território frio e turbulento – um vislumbre noir –onde os moradores guardam segredos e estão dispostos a matar quem os enfrenta. Dotado de uma narrativa lenta, mas que vai ganhando fôlego a medida que algumas verdades nos são reveladas, este é um filme denso em seu tema, mas maquiado para ser apreciado por um maior público. Trata a história de alguém que precisa arcar com grandes responsabilidades nem que elas custem o próprio sangue. Jennifer Lawrence leva o filme nas costas e chama a atenção.

O contexto é uma comunidade desconhecida em Ozarks no Estado do Missourie. Notem a frieza do local e de seus moradores, todos se mantendo distantes como se esse afastamento tornasse possível a convivência. Nesse âmbito, aproximações soam como ameaças. O que movimenta o longa nesse terreno hostil é a necessidade de Ree (Lawrence) encontrar seu pai desaparecido. Caso não o ache, ira perder sua casa e morar na rua com os irmãos mais jovens juntamente a mãe doente. Ree tem 17 anos e não vive como uma garota dessa idade. É ela quem se responsabiliza pelos serviços domésticos, a caça e o corte de lenha.

A narrativa progride de forma a desvendar o paradeiro do pai da jovem e ele é tão oculto para nós como parece ser para Ree. O acesso a esse personagem tem outros motivadores desvendados ao longo da projeção. Nesse percurso especulativo sereno e perigoso, a performance da atriz influi diretamente para o filme não congelar, transformando o longa num estudo de personagem agradabilíssimo. A sua volta os tipos machões entram em cena, às vezes armados, outras vezes com drogas – são usuários e traficantes. Tais características aparentemente são comuns entre os moradores forasteiros locais propensos a violência. Interessante são os interesses que movimentam alguns. Nesse sentido, nos parece claro o objetivo de um casal disposto a cuidar do irmão de Ree caso a família perca a casa.

Baseado no romance de Daniel Woodrell, “Inverno da Alma” não trata da busca desenfreada de uma filha por seu pai. Engana-se. O longa vem contar a luta diária de uma garota para manter sua família íntegra fazendo isso a sofridos custos. Jennifer Lawrence que a pouco protagonizou o drama “Vidas que se Cruzam” traz uma olhar encorajador, mas resguardando temor, estando a beira de desabar. Palmas para a loira que aos 20 anos tem sua primeira indicação ao Oscar. Junto a ela, o veterano John Hawkes também foi lembrado pela academia. Este é um filme que vem representar o cinema indie para o público que ano após ano conhece algum celebrado no Oscar. Para citar exemplos anteriores: “Pequena Miss Sunshine”, “Half Nelson”, “Juno” e o recente “Educação”. Aqui, mais do que um filme, é um modelo de coragem e dever representado por uma jovem e real heroína.

sábado, 23 de julho de 2011

Proseando sobre... Assalto ao Banco Central


Um dos maiores crimes acontecidos no Brasil chegou às telonas. “Assalto ao Banco Central” vem registrar o que aconteceu dia 06 de Agosto de 2005 em Fortaleza, data em que 164.7 milhões de reais foram roubados do Banco Central da cidade sem deixar grandes vestígios. Esta operação foi um marco da criminalidade reunindo poderosos e um grupo apto a realizar grandes roubos. Em cena atores globais estão juntos para representar o passo a passo dessa operação e seu pós, com as investigações e capturas de alguns envolvidos. Adotando uma narrativa que mescla esses dois extremos, este longa de Marcos Paulo surge como uma potencial super produção. Fica apenas na sugestão.

Milhem Cortaz, um dos astros de “Tropa de Elite”, vive aqui o Barão, chefe da organização criminosa responsável pelo recrutamento da equipe. O personagem, de cara, já nos é apresentado com imponência, ao constatarmos seu interesse por estratégias, quando a câmera imediatamente após filma-lo numa calorosa cena de sexo concentrar-se em seu livro de cabeceira, “A Arte da Guerra” de Sun Tzu. Não sendo o bastante, está sempre atrás de um jogo de xadrez jogando sozinho ou surgindo repentinamente com uma resolução para uma charada. Em outra instância, o oficial Chico Amorim (Lima Duarte) segue na cola do grupo, ora demonstrando habilidade com induções, ora revelando ineficácia e pouca compreensão do caso.

Com um grande grupo de personagens, o roteiro de Renê Belmonte e Lucio Manfredi tem pouco tempo para explorar tantos nomes, priorizando estrelas, fazendo charme e buscando viabilizar algum humor, o que torna o filme numa salada mal distribuída, algo sem identidade. Dentro do grupo, além dos personagens de Lima Duarte e Cortaz, vale ressaltar Telma Monteiro (Giulia Gam), uma policial eficiente e lésbica; Mineiro (Eriberto Leão), o boa praça e braço direito do Barão; e Carla (Hermila Guedes, estrela do bom “O Céu de Suely”) vivendo uma divisora de águas, sem tanto fundamento a operação, mas disputando corações. Ainda estão no elenco gente do calibre de Gero Camilo, Cássio Gabus Mendes, Tonico Pereira e Milton Gonçalves, esse último numa das pontas mais interessantes da história envolvendo ganância religiosa.  

Marcos Paulo inicia seu filme como um legítimo longa de investigação com energia suficiente para provocar tensão constante, mas tira o pé do freio em vários momentos tornando o trabalho frágil em sua composição e sem força para retomar um ritmo que era poderoso. Falho também são as disposições dos personagens, surgindo na maioria dos atos de uma maneira pouco convincente. E tanto humor também atrapalhou, uma vez que o diretor nunca perde a chance de abusar de situações que inspirem qualquer piada. No entanto, para um universo tão cheio de detalhes, o diretor consegue clarear todas as situações não deixando margens para questionamentos. Ignorando apenas seus aspectos técnicos e algumas escolhas do realizador, Assalto ao Banco Central” bebe da fonte de vários trabalhos hollywoodianos do gênero e diverte com o que propõe, mas é minúsculo frente a outras obras do nosso cinema que não possuem devida atenção e divulgação.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Proseando sobre... Onde está a Felicidade?


Começa o filme, cores quentes predominam, diálogos ácidos começam e uma pitada de humor se acentua. Isso parece ser bastante comum, mas não aqui no Brasil. Segue o filme, as cores continuam, há amor e culinária envolvida. Faltou o suco de tomate. É claro, é Almodóvar. Não, é Ricelli, Carlos Alberto Ricelli em seu mais novo trabalho, a comédia romântica “Onde está a Felicidade?”. O novo filme do diretor toma um rumo ousado, Santiago de Compostela, lá na Espanha. Rodado por lá, o longa além do bom humor traz um contexto impressionante. Mal percebemos, queremos ir pra lá. E seria ali que a felicidade reside? Os personagens apostam que sim.

Bruna Lombardi, esposa do diretor, é a estrela do longa. Além de atuar, roteiriza e produz. O toque feminino, naturalmente, está bem presente. As sacadas são em sua maioria feministas. Numa histeria, a protagonista corre em busca de uma almejada felicidade que não andava encontrando em seu relacionamento com Pedro (Bruno Garcia), a quem desconfia ter uma amante, e tampouco em seu programa de culinária, cujos temperos amargaram quando esta se desmanchou em lágrimas ao vivo. Naturalmente há um auxílio ilícito para sua conduta. Uma das coisas que marcadamente acentuaram a imensa panela de clichês do filme.  

A impressão que fica é que o trabalho foi realizado exclusivamente para entreter e divertir, nos fazer rir, nos fazer feliz. Mas não é no filme que a tal felicidade arduamente buscada espera. As piadas são previsíveis, mesmo assim consegue nos fazer rir. No entanto nos esqueceremos delas mais tarde. É passageiro, não fica, se vai. Mas vai sobre uma aventura com Teodora (Lombardi) junto a dois produtores, um deles vivido por Marcelo Airoldi, inspiradíssimo, detendo as melhores piadas da projeção. Bruno Garcia também não fica de fora, faz rir quando imagina o que sua mulher está fazendo, porém essa preocupação parece ficar de lado quando assiste futebol – ao menos a felicidade desse personagem é encontrada, seu time. Fica no ar a cena de jogos entre Corinthians e Palmeiras, e corinthiano, não se controla ao ver seu time ser derrotado, ignorando completamente a mulher.

De riso fácil e humor brando, é um filme de diversão batida, mas funcional. Comparado ao trabalho anterior da dupla, “O Signo da Cidade”, este deverá ter mais atenção nas bilheterias, não pelo que apresenta, mas pelo que promove: pura recreação.  Ótimo para quem quer apenas sorrir. Muito pouco para quem aprecia mais do que um saco de risadas, algumas confusões e uns romances inusitados. 


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Comentando sobre... A Cidade Ímã



Tímido em seu prólogo, o filme de Ronaldo German é ascendente, embora romantize demasiado a cidade do Rio de Janeiro, a cidade imã do título, sendo pouco convincente na estilização da capital que apresenta como um palco de músicos estrangeiros que chegaram e ficaram. É bom ressaltar que German praticamente fez o filme inteiro sozinho, um trabalho dignificante baseado num trabalho solo, no entanto carece de maior veracidade e menos idealização, o que resultou, ao final, num grande cartão postal da cidade para músicos de todo o mundo, ainda que traga alguns de seus defeitos como a violência. São quatro os entrevistados, David, Mako, Bruce e Idriss. Ambos trazem suas percepções sobre a cidade, suas histórias pessoais, o que imaginavam e o que encontraram na cidade maravilhosa, como também o que o mantiveram e ao quê se apaixonaram. Abraçado pelo corcovado e pelos locais bucólicos, o longa foi recortado de maneira a fundamentar a história dos quatro sem privilégios. O documentário é agraciado com canções propostas pelos próprios participantes, afunilando até um único denominador. 

sábado, 16 de julho de 2011

Proseando sobre... Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte II



Lá se foram 10 anos de uma trajetória envolvente e fantástica. 10 anos de um significado comovente afirmado metaforicamente pela passagem da infância para a adolescência. “Harry Potter” simboliza toda uma geração que o tem como herói. E que outra consideração se faria ao evocar a saga desse tão querido personagem? Não só ele, nunca só ele, nunca sozinho, os vários outros personagens de arquétipos delineados fizeram desta saga um marco histórico com oito filmes. Aos fãs, não parece ser muito tempo. A quem se permitir, restará na memória essa experiência de acompanhá-los por tanto tempo, um dos grandes apegos da juventude e agora a sensação do quão difícil é se livrar dele. E quão difícil é saber que “Harry Potter” chegou ao fim? 

Se tudo tem um fim, “Harry Potter” encontrou o seu. Os personagens cresceram, o filme cresceu, tornou-se menos leve, mais sombrio, metáfora equivalente à vida, da transição das brincadeiras de criança para as responsabilidades adultas. A cor e o equilíbrio deu espaço para sombras e angústias – e a representação proposta em cena cujos personagens tensos diante do que virá retrata com entusiasmo e medo a feliz lembrança do que viveram todos aqueles anos em Hogwarts. E ver a escola naquelas condições, ameaçada e afrontada, nos acomete um pesar sofrido sobre tudo que se sucedeu ali, especialmente quando recordamos as várias aventuras que compartilhamos junto aos seus personagens.

Nas mãos do diretor David Yates, o responsável por “A Ordem da Fênix”, “O Enigma do Príncipe” e por “Relíquias da Morte: parte I”, o filme se desenvolve num ritmo direto do ponto de vista dramático, utilizando de recursos que levem a história até seu fim, sem acomodações, o que provavelmente tenha ocasionado em vários cortes propostos no livro, algo que não deve ser levado em conta por tratar aqui de uma adaptação para o cinema e ter de se virar como tal. O filme é suficiente, para o que conseguiu contar nessa década, é o bastante.

E diante tantos personagens, a projeção catártica é inevitável e faz-se necessária para o filme ser maior do que é. A saga e seus quatro diretores sempre conseguiram tal feito. Como não adorar Luna (Evanna Lynch) por sua doçura? Como não honrar Neville (Matthew Lewis) por sua coragem? Como esquecer de Minerva McGonagall (Maggie Smith) com seu equilíbrio? Como esquecer de Sirius Black (Gary Oldman) e sua fraternidade? E Hagrid (Robbie Coltrane) e sua brandura e voluntariedade? São alguns exemplos de personagens que, embora secundários, são de valor inestimável nesta trama hoje, de fato e definitivamente, considerada imortal.

Harry Potter (Daniel Radcliffe) cresceu, Hermione (Emma Watson) e Ron (Rupert Grint) também. Lembrar de suas chegadas até Hogwarts todos bem arrumados e carregando um sorriso satisfeiro sofre um verdadeiro choque ao constatar suas expressões atuais, tensas e temerosas. O mal está rondando como jamais fizera antes. Lord Voldemort (Ralph Fiennes) reuniu centenas de bruxos e está pronto para invadir a escola. O clima que reveste esse ato leva boa parte da projeção preparando a aguardada batalha final, prometendo várias danos e inevitáveis mortes. Novamente aqui um realce, a finitude da vida. Corpos terminarão no chão e não há como contornar isso. Várias são as perdas, muitas são as evoluções.

Potter precisa destruir as horcruxes, objetos que mantém a alma de Voldemort. Apoiado pelos outros bruxos, coloca sua vida em risco para por fim as investidas do mal que está cada vez mais perto. Ver os vilões de filmes anteriores transformados em sub vilões nos dá a idéia da dimensão de Voldemort. Lucius Malfoy (Jason Isaacs) está quase irreconhecível sem a postura irretocável que mantinha no início da série, e a temível Bellatrix se reduz a um animal de estimação. O risco propagado em cena deslumbra com os dementadores como sentinelas a espreita para o ataque, sugestão referente a iminente batalha. Hogwarts liderado por Severus Snape (Alan Rickman) revela o grau de um prenúncio em contraste ao que aquele lugar uma vez foi, quando observamos a ordem fascista o qual os alunos estão submetidos em seu caminhar.

Banhado com bons efeitos especiais, o longa cuja direção de arte é impressionante ganha nesse último episódio um trabalho estupendo de fotografia de Eduardo Serra, colocando em planos bastante próximos as expressões de seus personagens opondo o espaço turvo em volta, como se no brilho daquelas feições residisse, apesar do claro temor, alguma esperança. As trilhas outrora em tons alegres também se convertem em pura melancolia, registro dado logo em seu início lutuoso. Com esses artifícios, a história final ganha ainda mais beleza, entretanto o roteiro de Steve Kloves não se apóia tanto a essa comoção fílmica e dá, em vários momentos com certo exagero, humor descabido, e em outros soando elegante. O excesso de informação passada em alguns pontos por vezes se manifesta confusa e arbitrária, mas nunca compromete o trabalho.

O foco dessa história, além de finalmente acompanharmos o que virá a ser a luta contra Voldemort, é o papel misterioso sempre prevalente de Snape. Suas escolhas e suas condutas são postas em prova neste capítulo, revelando sua personalidade fria e ambígua. Os olhares marcantes e dicção incomparável dada a Snape por Alan Rickman é subitamente entendida, o que faz do ator certamente o grande nome deste filme e talvez de toda a saga quanto a profundidade e desempenho. Albus Dumbledore (Michael Gambon), um dos grandes personagens desta franquia, vem brilhar em uma cena tornando-o devidamente e recompensadamente valioso. Já Potter, a alma cintilante dos oito filmes, vive sua mais intensa jornada, cheio de dúvidas e conflitos, persiste sereno e corajoso, mostrando o porquê é o símbolo heróico e humano que todos aprenderam a admirar.

Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte II” dignifica uma década, assinala toda uma geração que com lágrimas incontidas nos olhos viu seus ídolos viverem seu último momento na telona. Esta sensação foi compensada com êxito, honestidade e capricho no que deverá tornar-se um dos maiores sucessos de bilheteria de todos os tempos; e que provavelmente continuará encantando novas gerações, inspirando fantasias, vigorando a idealização de alguns desejosos quanto a possibilidade de uma carta chegar até eles, e ensinando lições travestidas de honra e coragem, possibilitando cada vez mais que as pessoas sonhem, imaginem, vivam o criativo fantástico cujo potencial de fascinar já fora provado. Harry Potter termina nos livros e nos filmes, mas como sugestionou um de seus personagens, ainda vive no coração. Tira-lo do coração de seus fãs será outra dura batalha provavelmente perdida. Como o amor disposto em cena, é para ser inesquecível. 

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Proseando sobre... Meu País

 

Quando uma família se junta somente quando acontece a morte de um ente, percebe-se que algo está errado. Assim, “Meu País”, projeto de André Ristum, une dois irmãos a partir da morte do pai e, nesse reencontro, alguns segredos transtornam a relação cujos valores identificados logo em seu ato inicial refutam a caracterização imediata dada aos personagens, o que os torna mutáveis, e enquanto mutáveis, humanos. O laço fraternal desenvolvido pelo roteiro de Ristum juntamente a Marco Dutra e Octavio Scopelliti viabiliza nossa interação com o filme, belo do ponto de vista dramático e singelo na sua aceitação pelo outro, priorizando uma relação disposta quando uma nova personagem surge, fruto de um adultério.

Marcos (Rodrigo Santoro) leva uma boa vida na Itália, namora a filha de seu chefe que o tem como braço direito. Sem qualquer motivo para voltar ao Brasil, retorna unicamente quando fica sabendo da morte de seu pai. Aí o espectador já identifica uma frieza por parte do rapaz quando este observa no enterro o nome da mãe na sepultura, ignorando completamente seu pai, Armando (vivido por Paulo José numa participação especial). Em contrapartida, seu irmão Tiago (Cauã Reymond) sente a perda, e lamenta a ausência do patriarca de uma maneira curiosa, como se junto a ele algo mais fosse perdido. Tiago é quem se responsabiliza pelos negócios da família no Brasil, mas está endividado por conta de grandes apostas no poker.

A narrativa é segura, possui bom ritmo e prende nossa atenção quando percebemos o distanciamento dessa família. A nossa curiosidade se sustenta por um acontecimento numa cena logo no ato inicial, se mantendo ao longo da projeção enquanto novos casos de desenrolam. O diretor nos dá algumas informações em detalhes, como quando sem averiguar do que se trata alguns materiais, Marcos joga tudo dentro de uma caixa, o que garante ao espectador uma sugestão do que foi guardado nela, incitando nossa percepção sobre seu provável desfecho.

Dentro desse âmbito de relações estabelecido com frieza, o filme se agarra a necessidade do outro a qualquer custo, e isso se fundamenta no papel do cuidado, quando alguém se vê responsável por outra pessoa, algo que até então nenhum dos personagens estavam sujeitos, embora a intimidade de Marcos e sua namorada italiana vivida por Anita Caprioli demonstre seu deslocamento afetivo. Logo surge Manuela (Debora Falabella, encantadora e irretocável em cena), uma irmã que Marcos e Tiago não conheciam, resultado de um relacionamento extraconjugal do pai. A garota está internada numa clínica psiquiátrica e precisa de alguém para cuidar. Um conflito se inicia por parte do personagem de Santoro, precisando voltar rapidamente para a Itália, e Tiago, ignorando completamente o problema mental da irmã.

Santoro e Reymond cumprem bem seus papéis, com o primeiro se destacando também quando fala italiano, mas é Debora Falabella a dona do filme numa performance pra lá de extasiante. Feito a medida para encantar, “Meu País” é um trabalho delicado sobre a tolerância e o cuidado, numa oportunidade de descobrimento pessoal e de sentimentos anteriormente adormecidos. Com leveza e singularidade, apesar da narrativa ser por vezes efêmera e mal explicada em alguns pontos, o longa se fundamenta no brilho fraternal e no apego, passando da fria solidão ao caloroso conforto do afago e das palavras outrora indizíveis. Esta sensação é reservada no reencontro em seu país de origem, em seus corações.

Comentando sobre... Rock Brasília - A Era de Ouro


Aos apreciadores do bom e velho Rock n’ Roll, é impossível não se emocionar. “Rock Brasília” é nostálgico do início ao fim e resgata momentos do começo dos anos 80 os quais algumas bandas de Brasília começaram a se formar. Daí surgiu grandes nomes como Plebe Rude, Capital Inicial e Legião Urbana; e as declarações de seus membros, presente entre eles algumas imagens e entrevistas com Renato Russo, toca nosso coração nos fazendo lembrar de um momento extraordinário da história de nossa música. O diretor Vladimir Carvalho faz uma rica pesquisa buscando elementos desse surgimento de bandas da capital federal, mesclando cenas de shows – destaque para o polêmico e violento show do Legião Urbana no estádio Mané Garrincha – e depoimentos de pais e filhos relacionados as bandas. Fala de drogas, viagens, altos e baixos, das brigas e das inspirações. Feito para ilustrar um gênero, o documentário condecora imortais, trazendo a tela não só os resquícios de um tempo passado, mas de uma herança ainda presente, nos levando para perto dessa geração e compreendendo, segundo as experiências pessoais dos envolvidos, o porque esta foi uma era de ouro, um tempo nunca perdido para aqueles que apreciam o Rock. 
 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Proseando sobre... O Palhaço



O novo trabalho de Selton Mello traz o ator num solo conhecido, despojado, assemelhando-se ao tom humorístico costumeiro de seus personagens. Porém aqui está com maior intensidade e irreverência assumindo o papel de um palhaço, refletindo em cena alegria e solidão. É mais do que fundamental entreter, é preciso argumentar, refletir, provocar. Selton Mello não só atua, ele escreve, dirige e produz – é seu segundo trabalho como diretor. O primeiro foi o bom “Feliz Natal” de 2008. Esta nova obra, intitulada “O Palhaço” fala da vida, dos sonhos, das ambições e das possibilidades. Como palhaços, frente ao público, o longa têm como um dos grandes objetivos fazer sorrir. E consegue.

O sorriso pintado no rosto não reflete o que se passa dentro do artista. Assim, com certa melancolia, esse tragicômico trabalho avança por terrenos adversos ao anunciado bom humor de seu início, e outros rumos são explorados quando percebemos a dura realidade da vida dos artistas de um circo itinerante chamado “Esperança” – não poderia ter um nome mais apropriado. Atravessando cidades sobre carros e caminhões velhos, o circo liderado pelo palhaço Puro Sangue (Paulo José) nunca sabe o que vai encontrar pela frente. Em seus bastidores, especulações quanto a possibilidade do sucesso da noite são dadas, centrando sobretudo nos prefeitos das cidades. As piadas referentes a eles remetem a idéia da necessidade em ser aceito nos vários locais em que passam.

Puro Sangue é o codinome de Valdemar, pai de Benjamim (Selton Mello), que nas noites de espetáculo assume a identidade do palhaço Pangaré. O roteiro do longa propõe um atravessamento do riso ao choro, explicitando em diálogos e observações, o que se tem feito da vida naquela transitividade sem grandes laços. Benjamim, por exemplo, não carrega mais do que uma certidão de nascimento e é quase uma figura inexistente dentro da sociedade, rodando o Brasil sem identidade e ressentindo-se pela crença da ilusão de seus feitos, almejando diariamente fugas.  

Ao conceber a idéia de “O Palhaço”, Selton Mello se inspirou na própria vida, numa fase desacreditada de sua carreira. No cenário de luzes brilhantes, atrás do picadeiro resta a tristeza e escuridão. Sem falar na exploração e nos eventuais roubos que acontecem quando racham o dinheiro da arrecadação das apresentações. Mas o espetáculo não pode parar, apesar dos pesares. Benjamim sofre e idealiza outras alternativas em busca do que em sua essência verdadeiramente é. Sua ida atrás de uma garota até Passos na Aldo Auto-peças é referencia a desesperança decorrida. Há ainda o notório trabalho de fotografia de Adrian Teijido abrilhantando a obra. 

Essa busca por respostas do protagonista acarreta também uma relação curiosa com um objeto: um ventilador. É como se ele precisasse do produto como completude de um vazio, seria a solução da falta que sente de coisas a qual é privado. Tal sugestão é dada em um ato por um personagem ao referir-se sobre o calor assolador. Remete, aí, ao apego a algo, a qualquer coisa que faça sentido, sem temer o absurdo que pareça. Bons personagens complementam a obra cujas atuações dignificam. Além de Paulo José e Selton Mello em estado de graça, o elenco ainda conta com Moacyr Franco, Emílio Orciollo Neto, Jackson Antunes, Jorge Loredo e Danton Mello em breves e ótimas aparições.



Claramente inspirado em “Os Trapalhões”, o filme é uma alegoria suave sobre difíceis fases da vida a qual todos estão sujeitos quando se flagram perdidos em seus caminhos. Na arte de representar, alguns se encontram e o brilho do espetáculo, quando aplaudido, restabelece. Com passagens que fazem lembrar de “O Sétimo Selo” do Bergman e “A Estrada da Vida” de Fellini, entre outras referências, como uma cena recordando “Macunaíma”, obra-prima de Mário de Andrade – adaptado para o cinema por Joaquim Pedro de Andrade –, “O Palhaço” é uma adorável menção ao ser humano disposto a tudo para ser feliz mesmo que pareça uma proposta por vezes inatingível – e ser feliz não é uma das coisas que mais ambicionamos? 


Comentando sobre... Uma Longa Viagem


Uma relação perdurante é posta em cena intimamente por um de seus elos. A diretora Lúcia Murat trouxe um documentário sobre a relação com seu irmão, sempre distante fisicamente, disposta por cartas que este lhe enviara no distante anos 70 enquanto era presidiária, resultado de sua luta política. O documentário “Uma Longa Viagem” é um resgate dessa história, relembrando como foi a vida entre 3 irmãos (Lúcia, Heitor e Miguel), focando em relatos de Heitor, hoje definitivamente instalado no Brasil após sua jornada no movimento desbunde, época de inserção em conflitos morais e nas drogas. Ágil e relativamente minuncioso em sua retratação, o trabalho é um triunfo enquanto abordagem pessoal de fatos de uma história familiar ao passo que revela um pouco do que foi o Brasil naquele período e o quanto alguns brasileiros sofreram. É também corajoso ao falar da essência dessas cartas, como de morte, esquizofrenia e a difícil internação de Heitor. Bem filmado e conduzido com emoção por Murat, este filme ainda traz o recurso da encenação, tendo Caio Blat como estrela, dando uma vitalidade inovadora no projeto, vivendo Heitor nos anos 70, tempos em que desfrutava de sua introspecção confusa e escrevia as várias cartas para a família. Inevitavelmente amargurado, é belo e sincero, é uma homenagem a história de uma família e sua luta em tempos atrozes.