quinta-feira, 31 de maio de 2012

Proseando sobre... Drive


“Drive” tem a seu favor a possibilidade de agradar distintos públicos, é eficiente em abordar elementos mais sérios, servindo como estudo de personagens, centrando num autêntico homem sem nome que encheria de orgulho Clint Eastwood. Sua habilidade não está nas armas, mas no volante, na velocidade, na fuga. Tem um código de ética, o segue com rigor. Somos apresentados a esse no ótimo prólogo, na abertura antecedendo os créditos em que, rapidamente, nos insere no universo hostil do protagonista, dirigindo para bandidos, seguindo restritamente normas, sem colocar a mão no fogo por ninguém. Para enfeitar a historia, modelos tradicionais de filmes do gênero dos anos 80 com muito sangue e violência.

O que o longa apresenta é uma história de amor longe das convencionais. Ela é quase hipotética, uma menção nas entrelinhas promovida por Irene (a sempre espetacular Carey Mulligan) e o motorista sem nome (Ryan Gosling). Ela ainda tem um filho e é casada – seu marido voltou recentemente da prisão. Juntam-se os 4 numa mesa e o relacionamento entre ambos que num primeiro instante imaginaríamos como passível de intrigas converte-se em altruísmo recíproco, cujos motivos são discutíveis. 

Dirigido pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn, “Drive” é um exercício de estilo, articulado, cheio de referências e com visíveis aspirações oitentistas, seja nas inspirações fílmicas quanto nas músicas, um atributo que a princípio nos deixa curioso para logo se estabelecer e embelezar sonoramente. A saliência das cenas bem econômicas contribuem com as intenções, não há cenas descartáveis, não há o que poderia ter ficado fora da edição final, há o bastante e o essencial para a obra ser grande. Simples e indispensável. Ainda conta com uma fotografia límpida, mostrando a exuberante Los Angeles noturna. É  para se apreciar visualmente juntamente a tantas outras coisas. Outro exemplo de esplendor visual é a luz ofuscada na cena do elevador, intencional, com objetivo estético expondo um beijo.

Famoso pela trilogia “Pusher”, Refn coordena bem cenas de ação. Ele parece buscar se adequar ao real a todo instante, priorizando a observação de sua estrela, analisando as possibilidades com o carro parado para depois dar a devida injeção de adrenalina. O absurdo é descartado. Isso apenas revela a necessidade de grandes produções em se auto afirmarem enquanto grandes filmes de ação para mascarar o tradicional vazio que a permeia. É possível ir além de uma perseguição com explosões fetichistas, priorizando a complexidade dos personagens. Desta forma, a magnitude do protagonista, vivido seriamente e laconicamente por Gosling, é constatada em detalhes. O ator vem em grande ascensão e cria aqui um icônico e silencioso personagem. Ao seu lado, a doce e carismática Carey Mulligan dá a fragilidade e insegurança necessária a uma mãe de família tendo que se virar num fast-food. 

Os bons diálogos propostos pelo roteiro viabilizam a compreensão dos fundamentos da trama, robustecendo as personalidades de seus bons personagens. Nesse meio Ron Perlman, Albert Brooks, Christina Hendricks e Bryan Cranston são talentos bem explorados, estando esse último a assumir uma função paternal zelosa. Ninguém está jogado ao léu, não há desperdícios ou excessos de recursos durante a narrativa. O exagero se dá na violência, tudo proposital, como interlocução às obras análogas. Uma cena em especial fará o espectador recordar “Irreversível” de Gaspar Noé. Enfim, “Drive” conta a história de um homem sozinho, de fragilidades humanas e de relações com o mundo. Não é de muitos diálogos, é quase um exercício de observação, de contemplação. Seu seguimento é óbvio e bem caracterizado, uma espécie de homenagem intrínseca ao passado originado de filmes B. Ganhará fama Cult pelo que é e consolidará Ryan Gosling como um dos melhores atores em atividade, tornando-se neste um mito das ruas escuras com sua jaqueta ensangüentada levando nas costas uma imagem de um escorpião. 


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