quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Proseando sobre... A Vida dos Peixes

A vida dos Peixes (La vida de los peces, 2010) refere-se ao distanciamento, ao deslocamento, ao afastamento das origens. Refere-se à lembrança, aos elos, à saudade. O filme é um drama romântico chileno que trata as conjunturas cotidianas da vida, bem como reflete o que temos de abrir mão para ser feliz; ou nos convencer através de uma fantasia de que algumas escolhas, de fato, são para nosso bem. No entanto, algumas coisas são inesquecíveis e irrevogáveis. Durante uma festa, o desencadeamento de lembranças refaz passos e desorienta, é o que acomete Andrés (Santiago Cabrera), chileno morador de Berlim. Ele é funcionário de uma revista de turismo, o que lhe obriga a ficar muito tempo fora, lhe impossibilitando vínculos mais estreitos. Como peixes presos num reservatório constatando limitações de uma vida imutável pelas circunstâncias, o filme simboliza o dia a dia de seu protagonista turista transitando sobre próprias emoções. 

Sua vida passageira lhe traz prejuízos. Resiste a um vazio existencial que outrora não sentia, e percebe tal incômodo quando revê velhos amigos, alguns casados, outros almejando sedentos seu posto, causando uma inversão de valores na narrativa, sempre muito bem conduzida pelo diretor Matías Bize. O tempo, ao final, não parece ser um bom amigo do protagonista. Este guardou lembranças não concretizadas, o que lhe acarreta introspecção – percebemos Santiago Cabrera  representar isso muito bem –, e passa a procurar idealizar em silêncio como seria se tivesse seguido outro rumo, percebendo-se sozinho diante um ciclo de novidades românticas que levou uma década para testemunhar. Soma-se a esse desalento a lembrança de um amor abandonado, Beatriz (Blanca Lewin), que ainda lhe sufoca. 

E são ótimos os momentos nos quais Andrés divaga questões de crianças durante um jogo de vídeo-game; outro interessante momento ocorre quando ele encontra a jovem Carolina (María Gracia Omegna), menina que vira pela última vez quando esta ainda era criança. É uma cena que abre perspectivas do tempo e suas ações. A percepção de escolhas enobrece o longa. Como poderia este protagonista, ao seu modo, orgulhar-se de uma profissão que lhe acarreta solidão embora proporcione luxo e mulheres? Essa impressão melancólica, realçada pela fotografia cheia de cores, trilha pulsante e luzes cintilantes manifesta realidades quase insuportáveis, denunciando a covardia diante a possibilidade custosa de mudar. A trajetória da história se inclina em repetições, algo que a paixão súbita ocasiona naturalmente sobre qualquer um. 

Passado quase que inteiramente num único local, o filme é narrado vagarosamente e tem força nos bons diálogos evocativos, com Andrés abraçando tempos enquanto caminha por corredores e aposentos encontrando pessoas que outrora fizeram parte de seu passado. O núcleo da narrativa se vincula à memória. Sensorial e equilibrado emocionalmente – não há excessos na exploração sentimental dos personagens  –, o filme de Matías Bize nos sensibiliza pelo apresso reconfortante de seus bons diálogos e seguras atuações, essas são ao menos o bastante pra compor um universo de significados indizíveis através de olhares e expressões. Possibilidades ficam em aberto, o público completa como crê, em sintonia com a atmosfera coesa e delicadamente desenvolvida por Bize.
 
* Crítica publicada primeiramente em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2462


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