quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Proseando sobre... You and Me Forever




O dinamarquês “You and me forever”, exibido na 36º Mostra Internacional de Cinema São Paulo, dirigido por Kaspar Munk, fala indubitavelmente de uma amizade entre duas meninas, Laura e Christine. A intensidade da relação chama a atenção de todos os colegas da escola e também e do espectador que assiste especulando algo relacionado a dependência psicológica, solidão ou obsessão. Tudo cai por terra, afinal, o filme não discute tão bem essa relação, propondo apenas indícios e suposições, centralizando em experimentos da fase como ritos. É um típico filme sobre a adolescência sem ousadias, gozando de excessos e erros, com o charme residindo no contexto, não tão distante da realidade brasileira. Entre intrigas e sorrisos, a experiência de viver algum novo atrativo causa um severo conflito nessa intensa amizade graças a presença de uma terceira pessoa vista como ameaça, a ardorosa Maria.

O filme inicia badalado, mostrando Laura (Julie Andersen) e Christine (Emilie Kruse) se divertindo numa festa regada a álcool, sozinhas, sorridentes, extasiadas. A manhã seguinte de ressaca traz conseqüências. Entre vômitos e dores, Laura ouve um garoto perguntar a razão das duas ficarem todo o tempo juntas. Tal questão dá início a introspecção de Laura que se questiona a respeito desse relacionamento quase privado. É quando Maria (Frederikke Dahl Hansen) aparece que a amizade entre as duas explode, uma vez a desconhecida trazer consigo a oferta de um experimento adulto, como o sexo, algo até então inatingível pelas duas.

Como uma Angela Hayes de “Beleza Americana”, Maria traz todo um glamour do sexo, idealização fantástica que causa estranheza ao mesmo tempo que provoca curiosidade. Isso é convidativo. O diretor ressalta a menina em alguns atos antes desta se manifestar para o público: em certo momento ela está numa festa beijando um rapaz ao mesmo tempo que flerta com Laura de maneira provocante. Aquele olhar... Laura até então não havia experienciado tal sensação tentadora. A trilha pop dita o ritmo do filme enquanto a fotografia mantém seus personagens bem perto, intimamente.  

Entremeada em dúvidas sobre sua postura frente às amigas e aos outros, Laura decide se aventurar junto a estranha, se descobrindo atraída pelo diferente, mudando atitudes, roupas e aspecto, convertendo-se numa mulher abusando da lascívia e jovialidade, ainda que virgem. O roteiro escrito pelo diretor parece beber da mesma fonte de “Aos 13”, adaptando a sua cultura. Imerso no hábito da juventude, Munk realiza a incessante descoberta pessoal das garotas sobre o sistema de recompensa, atraindo qualquer possibilidade de prazer que funcione, numa espécie de libertação de uma prisão que anteriormente vivenciava – aí nos faz pensar na relação anterior com Christine, incapaz de aceitar o afastamento da amiga, ou por ciúmes ou por paixão.

Este é o segundo longa de Kaspar Munk e pela segunda vez ele trabalha com temática adolescente. Aqui ele retrata descobertas, entre elas a sexual, com claras manifestações de desejo e repressão. Vazio de sentido, isso talvez seja uma alusão ao próprio universo desses jovens que não tem pelo que lutar, o filme se desenvolve sempre em busca de respostas para as carências de vivências distintas, permeado pela busca existencial enquanto seus hormônios estalam. É bom acompanhar essas três garotas em conflito, cujas implicações de suas ações lhe oferecem experiências para se transformarem em mulheres.



terça-feira, 30 de outubro de 2012

Proseando sobre... Hemel

 
Hemel significa céu em holandês. É o nome da protagonista que dá título ao filme. Acompanharemos céu por incursões em camas com diferentes homens, objetos de seu prazer quase urgencial. Seguir seus passos e suas discussões elaboradas como amparo à sua satisfação mantém a curiosidade da história, sempre cadenciada e ousada, contada em capítulos cujos títulos são auto-explicativos, fragmentos diários de seus envolvimentos afetivos. O céu, lugar simbolicamente atingido quando chega ao orgasmo, é seu paraíso particular em terra, possível, real. A garota percorre as ruas de uma cidade na Holanda se chocando com diferentes pessoas, quase sempre ligadas à classe alta européia, e se debruça em cortejos neste filme que beira o erotismo, enquanto é embalado por uma trilha sonora amena, generosamente melancólica.

A relação imposta pelo roteiro sobre a sexualidade da protagonista com a sexualidade de seu pai é fecunda, funcionando como alusão à sua criação desde pequena, conforme contada em um dos capítulos. O furor sexual da garota, seja nos bares onde passa algumas noites atrás de alguém que lhe satisfaça ou em festas quando discute o prazer, questionando a valia religiosa que reprime o desejo, denota a tipificação dessa personagem sedenta e agressiva, agindo com o estigma do sexo masculino. Em uma das cenas, ao sair com um argeliano a quem chama despreocupadamente de Mohammed – afinal, o nome ou quem é pouco importa, mas sim a oferta sexual da figura varonil –, fica notória sua personalidade que a aproxima do sexo oposto, quando não quer receber carinhos do amante após o gozo. Como metáfora em defesa, discute a cópula dos leões.  

Ao acompanharmos a jornada de Céu, muito bem vivida por Hannah Hoekstra, presenciaremos graças aos olhares e facetas da atriz seu sofrimento frente a sua condição que lhe traz prejuízos. Entregue a prazeres sem métodos, mas a características dos parceiros, ela mergulha em todas as propostas, seja com relação à depilação de pelos pubianos ou ao sadomasoquismo que lhe rende hematomas, onde embora sofríveis, são revelados como troféus por mais uma transa. Sexualmente adicta, sua composição é fomentada pela relação com o pai, com quem vive um complexo de Édipo berrante. Ela vive igualmente a ele. Sua ligação com o patriarca (Hans Dagelet) é estremecida quando este lhe apresenta uma nova namorada, alguém que levará para morar na mesma casa, renunciando a rotina por tantos anos vigorada.

Hemel (idem, 2012), exibido na 36º Mostra Internacional São Paulo, é um drama sobre sexualidade, identidade, dependência e co-dependência. Se aproxima do recente Shame (idem, 2011) pela proposta, mas é com o espanhol Diário Proibido (Diario de una Ninfómana, 2008) que ele faz coro. Dirigido pelo holandês Sacha Polak, o longa é visualmente bonito e com uma fotografia lúcida. Ele também é pontuado por boas atuações, sobretudo com Hoekstra que se expressa bem com olhares. A narrativa não segue uma lógica, igualmente sua protagonista, modelada por sensações e eventos cotidianos, desconstruída psicologicamente. E sobre a vulnerabilidade de sua estrela, o roteiro exprime a incapacidade de mudanças e readequações, propostos no diálogos, e perguntas que ficam como sugestões. Por exemplo a cena em que Céu conta sobre um garoto que cometeu suicídio recentemente, pulando de um prédio. Ninguém pareceu ouvir.

Texto originalmente publicado em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2524



sábado, 20 de outubro de 2012

Proseando sobre... Atividade Paranormal 4



Henry Joost e Ariel Schulman, responsáveis pelo terceiro filme da franquia “Atividade Paranormal” retornam nessa quarta parte, reciclando alguns eventos que já vimos anteriormente nos longas anteriores e o atualizando segundo a tecnologia recente – o que funciona em alguns pontos como novidade – não deixando o filme padecer num completo marasmo. A utilização de webcams e celulares, bem como o protagonismo de adolescentes garante um pouco da atenção do público que se interessa por esse novo viés, no entanto as repetições importunam mais do que as bruxas e a experiência de conferir um horror através do mockumentary, já desgastado e abundantemente explorado, se extenua com bocejos e aborrecimentos. 
   
Mais do mesmo com alguns acréscimos, é uma definição adequada para essa sequência. Ao menos é inventiva, traz chats, cam – e um cara gravando tudo o que pode, atônito para ver a namorada se despir – e um xbox com recursos para alguma das melhores cenas de tensão funcionar. Ao menos obriga o espectador a se ater aos detalhes, examinando cada canto da imagem, buscando qualquer indício do que virá futuramente a lhe sobressaltar – na maioria das vezes nada acontece. É, ao menos, a expressão da modernidade, algo que a dupla de diretores trabalharam criticamente em seu mais notável trabalho, o possível documentário “Catfish”, onde eles explanam hipocrisias da internet ao longo de uma experiência particular, entre perfis inexistentes numa jornada misteriosa atrás da verdade por trás de fakes e suas vidas ordinárias.  

O sucesso desta empreitada garantiu alguma atenção para a dupla, uma vez que foram convidados pouco tempo depois para realizar o terceiro filme da franquia e consequentemente este quarto. No terceiro fizeram proeza ao finaliza-lo com uma boa idéia, embora absurda e nefasta. Agora, não há mote para salvação dentro da narrativa, restando apenas os recursos técnicos e uma adolescente bonita segurando o filme como pode. Restou, então, resgatar Katie (Katie Featherston), a estrela do pioneiro, para tocar o terror, como um monstro já reconhecido pelo cinema. Com ela vem ligações aos eventos anteriores, explicações rasas de sórdida importância e um garotinho, apavorante pela inexpressão, marcando presença como maldição, com herança física daquele tão famoso no clássico “A Profecia”.   

A história roteirizada por Chad Feehan e Christopher Landon, este último provém do terror “Sangue e Chocolate”, se baseia na adolescente Alice (Kathryn Newton), que passa horas na frente do computador falando com o namorado. Ela vive numa luxuosa casa no que aparenta ser um bairro de classe alta americano, e teve o azar desgraçado de ter Katie como vizinha. Há algo na garota que interessa as tais bruxas do terceiro filme. O vínculo entre ambas acontece graças a uma aproximação entre crianças, algo difícil de conceber racionalmente. A presença dessas caras novas vem com diferentes métodos de provocar espanto, com os próprios personagens causando. A menina, por exemplo, em determinado momento salta na cama após longos segundos de silêncio. Há ainda a presença de um gato que caminha pela casa sugerindo alguma provável ocorrência e ninguém parece vê-lo. Ou talvez ele seja um demônio e será revelado em alguma provável continuação. Após essas e mais algumas tentativas de susto, pensamos: puxa, estão mesmo tentando de tudo. Tememos o que virá pela frente.

Essa quarta parte também se permite fazer piada, brincadeiras que, ao invés de apavorar, tiram risada do público, o que nos leva a questionar as intenções e o rumo da série, parecendo não estar mais se levando a sério. Há até uma tentativa de referência, ou homenagem, ou seja lá qual era o intuito, de recordar “O Iluminado” quando inesperadamente surge um garotinho num triciclo, dirigindo-o pelos cômodos. O futuro de “Atividade Paranormal” parece já ser conhecido, muitos serão feitos, readequados, tentando ser inovado, salvo por roteiristas propensos a tirar o máximo de qualquer objeto. Com isso o tempo poderá fazer da série inanimada, sem graça e com o prestígio arrasado. Quem continua indo assistir é porque realmente gosta da franquia, se deleita como pode com os sustos suscitados. Uma hora esses também podem deixar de se interessar e o filme que outrora fora considerado um bom exemplar do gênero do terror, se tornará mais um exemplar de mediocridade, de mera gana ruída. 


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Proseando sobre... Poder Paranormal



O cineasta Rodrigo Cortés saiu do suspense claustrofóbico – “Enterrado vivo” – e se aventurou no terreno da paranormalidade, investindo em uma trama recheada de ocultismo e fenômenos, contando ainda com um bom elenco e uma história abarrotada de potenciais. A expectativa gerada pela proposta do roteiro se fundamenta num mistério óbvio para a narrativa funcionar: a possibilidade de existir, de fato, alguém com poderes psíquicos. Acompanharemos uma investigação onde alguns casos são desmascarados graças a métodos científicos que explicam o que alguns consideram inexplicável. Entra no bolo dessa discussão a fé e o poder que alguns líderes religiosos demonstram com a finalidade de angariar alguns fieis com suas absurdas mentiras.      

Algumas verdades são difíceis de aceitar. Pode-se comprar verdades, atribuições do real que façam qualquer sentido. Não faltam charlatões que tentam vendê-las. Como num show de mágica, ilusões são ofertadas. Alguns não perdem a oportunidade de atribuir um feito a obras paranormais ou divinas, milagres ditos extraordinários que são perfeitamente elucidados. Recentemente acompanhamos Rebecca Hall desvendar mitos urbanos no suspense “O Despertar”. Leva-nos a questionar a moral desse tema e as razões para estarem aparecendo. Há quem ganhe a vida vendendo a ilusão do poder superior, é o que muitos fazem no longa de Cortés, com todos sendo desvendados pela implacável dupla: a psicóloga Margaret Matheson (Sigourney Weaver) e o físico Tom Buckley (Cillian Murphy). Acontece que há um caso que atravessou décadas onde um vidente cego, Simon Silver (Robert De Niro), após fazer sucesso há 30 anos em shows, retornou lotando teatros com sua dádiva cada vez mais impressionante. E fugaz!


Essa é mais uma oportunidade de ouro para a dupla desvendar os segredos por trás desse homem que arrasta multidões, no entanto, tais revelações são cada vez mais custosas, com ameaças e violência. O caráter dinâmico da história começa a perder a força quando algumas dicas são dadas – uma é importantíssima durante um diálogo entre Buckley e a estudante Sally Owen (Elizabeth Olsen, outra vez no âmbito do horror) – e quando o filme perde sua identidade de gênero, convertendo-se de um suspense investigativo num drama sensitivo, transitando ainda entre o romance, comédia e terror. Vícios narrativos afetam o diretor que dispõe de todos os artefatos mais básicos desse tipo de cinema, entretendo não pela história, mas pela curiosidade tentada, o que é pouco diante a possibilidade da oferta e postura inicial em tratar de modo crítico a polêmica de seu argumento.   

As motivações da protagonista são até compreensíveis, apesar de imbecis, dada sua posição enquanto pesquisadora. O que ela busca é uma verdade dentro dos fenômenos sobrenaturais, algo com poder o bastante para trazer de volta seu filho que está há anos em estado vegetativo. Sua pretensão supersticiosa é inteligível, mas refuta sua ciência. Em outra instância, em via diferente, está Buckley, obcecado em disseminar a hipocrisia de Simon Silver, sem encontrar margens que o denunciem. Uma cena de espancamento vem exprimir a moral vil daqueles que fazem da mistificação um mercado, pois mostra que qualquer ameaça potencial de derrubar um dogma deve ir para a fogueira. Rodrigo Cortés acerta o tom, mas vacila no desenvolvimento, concedendo respostas mastigadas e se vinculando as reviravoltas boçais, tolas e usuais, decepcionando quem estava predisposto a entrar na roda da charada e tirar qualquer proveito disso. 


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Proseando sobre... Ted


“Ted” causou polêmica, ganhou a aversão de muita gente antes mesmo de ter estreado, sendo acusado de mal gosto e incorreto, ainda mais para o público infantil. Sabe-se, de antemão, que o filme não é direcionado a crianças. Detalhe às vezes ignorado. Assistimos a possibilidade de censura, algo felizmente frustrado, uma tentativa fracassada. Mais um meio para chamar a atenção para o filme. O filme ganha, o público ganha, afinal, “Ted” não é só um longa metragem polêmico que traz como protagonista um urso de pelúcia famoso usando drogas, obsceno e louco por prostitutas, mas é, sem dúvidas, uma das melhores realizações do gênero das comédias americanas dos últimos anos. Por mais absurdo que pareça ou bizarro que essencialmente seja, a história é deliciosamente indecente, brincando sem pudores com tudo e com todos.

Poucas figuras populares escapam do alvo das piadas de seu realizador Seth MacFarlane que dirige, escreve, produz e dá voz ao ursinho. Responsável por séries como “Uma Família da Pesada”, o cineasta não se preocupa com o politicamente correto e investe numa narrativa sem recatos, estimulando o absurdo e fazendo graça com isso, a partir do desejo infantil de uma criança no final dos anos 80. John Bennett era um menino ignorado até pelos garotos mais ignorados. Sempre sozinho, ganhou um urso no Natal, chamando-o de Teddy. Na mesma noite, fez um pedido: rogou para seu urso ganhar vida e lhe ser fiel pra sempre. Desejo concedido. Quase 3 décadas após, John (Mark Wahlberg) e Ted continuam juntos, compartilhando drogas, experiências sexuais, bebedeiras e paixões nerds. 

Vale ressaltar, entre tantos outros aspectos, as relações estabelecidas, todas críveis. A trinca composta por John, Ted e Lori (vivida pela recente eleita mulher mais sexy do mundo, Mila Kunis), namorada do primeiro, está em pleno conflito pelas escolhas do rapaz, passivo aos eventos exteriores e quase incapaz de se posicionar frente as adversidades cotidianas e ao emprego. Ele não resiste a um telefonema convidativo de Ted para um filme ou algum trago. Aí reside a principal crítica ao filme, o suposto mau exemplo que ele poderia transmitir, algo profundamente equivocado, pois, ao constarmos a mediocridade da vida da dupla estagnada, principalmente frente ao desenvolvimento profissional da garota, então concluímos que o exemplo sugerido seja errôneo. E o melhor, o que dá profundidade ao filme: Ted sabe disso, consegue reconhecer que aquele meio está trazendo conseqüências ao amigo e se questiona. Erra. Acerta. Decide. Características humanas compõem esse personagem muito bem construído através do motion capture.


As escolhas do diretor para modelar sua história são inteligentes. O tempo, por exemplo, é mostrado através dos cartazes de famosos lançamentos cinematográficos da época. Os anos 80 e 90 estão bem representados. E se estamos acostumados a ver Mark Wahlberg encarnando figuras virís, esse seu papel surpreenderá pela fragilidade. Aqui ele não posa de brucutu, mas como vitima da modernidade, do que sofreu na infância, distanciado do sonho americano. Ele é dependente do sistema e seu conforto é o urso, um tipo de objeto transacional. Preso ao prazer urgencial e contaminado por lembranças e ícones da infância, como Flash Gordon, John deixa-se se levar pelo tempo e seus sabores, resistindo as consequências. De pensamento infantilizado, o filme se delonga exprimindo o que há de pior em seus protagonistas, ao mesmo tempo que demonstra seus erros, confortando pelo arrependimento, medo e insegurança, frente a solidão. É aí que entra a proposta de Seth MacFarlane, debochar desse universo com um humor vulgar, perfeitamente funcional!