sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Proseando sobre... Alpes


O grego Giorgos Lanthimos não teme explorar seu estilo que é, digamos, excêntrico. Pensando no termo, reflito sobre duas de suas obras: Dente Canino (Kynodontas, 2009), filmado há pouco tempo, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro; e este Alpes (Alpeis, 2011), exibido na 36º Mostra Internacional de Cinema São Paulo. Ambos transitam no vazio humano, buscando inferências para a vida cotidiana, como um modelo que sugira completude, entre razões sociais e psicológicas, para seus personagens carentes. No primeiro filme o isolamento é demonstrado através de uma família isolada nos arredores de uma cidade, onde os pais mantêm os filhos num tipo de cárcere, distantes da civilização, ensinando questões referentes ao mundo sem exposições e oportunidade de experiências. Em sua nova obra, a configuração se dá pela identidade, com pessoas prestando um serviço absurdamente incomum para aqueles que recentemente perderam um ente querido.


O diretor e roteirista conta a história de maneira vagarosa, linear, apresentando seus personagens extravagantemente. De início, Carmina Burana embala uma ginasta (Ariane Labed) que pratica a ginástica rítmica com destreza e sensualidade, como numa esforçada apresentação olímpica, desejando conquistar a confiança de seu treinador. Uma crítica: ela gostaria que sua música fosse algo mais pop. Pedido negado. Aí compreenderemos um pouco sobre quem são os personagens. Naquele contexto outras coisas acontecem. Um grupo mantém um centro de apoio que oferece um serviço inusitado: após a morte de alguém, um de seus membros vive a vida do falecido com o intuito de acalentar quem fica, através das características, ações e gostos pessoais de quem morreu. É, de fato, uma incorporação. Esse grupo é chamado de Alps, referência aos Alpes da cordilheira européia, nomenclatura que não explica a função dessa equipe e que, segundo a designação de seu líder, serve como metáfora a proposta, uma vez os Alpes serem insubstituíveis, mas semelhantes.  

A estranheza do roteiro, premiado em Veneza, é o que garante a atenção de alguns públicos, simpatizado pelo estilo autoral de seu realizador. Situações divagam do foco da trama, e seu fundamento não se delonga, estagnando-se. O que acontecem são circunstâncias bizarras: a troca proposta pelo treinador da equipe de ginástica a enfermeira protagonista (Aggeliki Papoulia), por exemplo, onde ela deve lhe banhar. O foco, porém, quando centra na proposta da narrativa, atinge discussões satisfatórias: a enfermeira se aventura na vida dos outros, fazendo parte do cotidiano de estranhos. Aí provém uma reviravolta de sentido, afinal, a mulher deixa de ser um apoio para os carentes familiares e passa a fazer parte de modo demasiadamente íntimo, ferindo a ética de seu ofício. A crise de identidade passa a estar no cerne.

Giorgos Lanthimos é de fato um diretor que se apega ao bizarro enquanto tece críticas a humanidade de seus personagens, sempre afetados, vítimas de condições morais. Algumas resoluções, em ambos os filmes, se intrincam na sexualidade e no sexo, com fetiches e predisposições ao desejo reprimido. Tanto em Dente Canino quanto em Alpes isso é observado, com menos força no segundo, mas importante aos anseios narrativos. Outra questão igualmente trabalhada é a imposição tirana do líder – no grupo de apoio ou no núcleo familiar em Dente Canino.  A atriz Aggeliki Papoulia é talentosa, esteve em ambos os longas, assume o protagonismo desse drama grotesco, sem profundidades e rudimentos, no entanto cheio de estilo, mesmo que esse seja restrito a seletos públicos.

* Crítica originalmente publicada em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2533

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