sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Proseando sobre... Shameless

 
Com potencial para causar polêmicas, o polonês Shameless (Bez wstydu, 2012) suga dois pontos muito abrangentes pra contar sua afável história de amor: o primeiro é o neonazismo, com um grupo de jovens carregando a ideologia e praticando seus costumes com violência e caracterização; o segundo é relativo ao incesto, escancarado e não como sugestão como em tantos outros filmes, o que dá margem para muita reflexão sobre razões e negações sociais dentro de uma ótica cultural mundial. Nesse filme dirigido por Filip Marczewski, a rivalidade em distintos âmbitos parece dar forma a narrativa, colocando grupos, crenças e amantes frente a frente, centrando no jovem Tadek (Mateusz Kosciukiewicz) que fora morar com a irmã e encontrou decepcionado o namorado da garota, a quem declarou oposição.   

Para contar a história, o diretor decidiu fazer uso da câmera a partir do ângulo de visão do rapaz, sempre buscando seu olhar e o que ele vê, como um voyeur admirando a irmã em casa. Às vezes ela usa roupas curtas, em outro momento está dormindo ou tomando banho, e há outros em que ela se despe e a porta fica semi-aberta. Com um viés erótico, Marczewski investe na libidinagem da mulher, constituindo uma espécie de atração confundida com interesse. Tadek olha, disfarça, olha novamente, vira os olhos como se pensasse que isto não está certo e novamente observa se entregando, irrompendo com seu vislumbre cobiçoso. Ela, Anka (Agnieszka Grochowska), por outro lado, se esquiva, talvez como defesa por suas representações internas, ainda sem compreender as intenções do irmão. 

A ternura por parte da garota frente ao anseio de Tadek é bem narrada, administrada por uma pulsão de reciprocidade, algo veiculado ao passado de ambos. Quem é protegido, é amado. Sedutora conscientemente e inconscientemente, encara o tabu com surpreendente naturalidade. Passamos a compreender melhor essa íntima relação quando acessamos através de fotos e diálogos evocativos suas infâncias e proximidades. O aspecto de criação é exaltado economicamente, com amarras simbólicas concernentes ao “não deve fazer” ou ao “não é certo fazer”. A questão sucumbe ao desejo e libera-se o fervor sem culpa. Um sorvete de pistache aparece como símbolo afetivo da infância entre os irmãos. Vale a sugestão: Hemel (idem, 2012), também exibido na mostra, trata do incesto numa ótica diferente.

Paralelamente à história dos irmãos, um grupo neonazista que tem como componente o namorado de Anka está sempre perseguindo os comunistas e ciganos, questionando a todos e dominando a cidade politicamente. Tadek vai contra tais princípios, ficando ainda mais arredio quando conhece a bela Irmina (Anna Próchniak), uma jovem cigana que viu o rapaz chegar na cidade após este saltar de um trem, e subitamente se interessou afirmando fantasiosamente que ainda ficariam juntos. Sua diligência e delicadeza traz outro questionamento ao rapaz que se atrai pelos encantos e costumes da moça, embora sem a mesma gana febril que tem pela irmã. Os interesses de Irmina também são outros: ela quer um lugar fixo e estudar, se tornar médica, sonho visto com deboche pelos familiares e outros pretendentes. Eis um outro embate proposto na narrativa. 

Sensual, sobretudo pela presença de Agnieszka Grochowska que petrifica os homens, Shameless é essencialmente um longa que trata do vazio a partir da volúpia e luxúria. Também exalta o desejo, pelo outro ou pelo que será feito do futuro, como possibilidade de envolvimento emocional e social numa sociedade que convive com misérias. E tantas vidas correntes nesse universo, tantas culturas ideológicas que se chocam e a psicologia de seu povo formam na pequena redoma onde a história é contextualizada um estremecido convívio, cujos interesses políticos erradicam o poder financeiro da nação. Poucos investimentos são feitos pelo governo em determinados lugares. Quem o faz, ganha a atenção entre os habitantes. Sem grandes aprofundamentos nesse caso, pode-se compreender o longa como um breve filme-denúncia sobre o fascismo ainda presente e com certo vigor. O insucesso dos menores que clamam por oportunidades e se entregam ao prazer, vendidos por qualquer coisa e para todos.
 
* Crítica publicada originalmente em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2543


Nenhum comentário:

Postar um comentário