quinta-feira, 28 de março de 2013

Proseando sobre... Colegas



“Colegas” procurou ser um filme despretensioso, e sem pretensões tornou-se ufano. Conjuntamente pretendeu ser leve, e tal leveza rendeu-lhe descomedida fragilidade narrativa. Inverossímil, consegue ganhar o público graças – e unicamente – a um trio central pra lá de carismático. Jovens com síndrome de Down, Stalone (Ariel Goldenberg), Aninha (Rita Pokk) e Márcio (Breno Viola), fogem de uma instituição, roubam um carro e seguem rumo a lugar nenhum, motivados por sonhos pessoais distantes de resoluções devido as suas condições de aprisionamento numa clínica. O longa funciona também como homenagem com teor socialmente crítico sem profundidade. Sobra pouco: diversão que transita entre realidade e fabula, e estereótipos dissolvidos em 100 minutos. 

Os desejos do trio referem-se ao passado, elaborações resultadas da ausência familiar, dos pais que não conheceram. Um quer voar, outro deseja se casar no dia de São Judas Tadeu, e o último tenciona conhecer o mar: cada um dos sonhos se liga em compreensões particulares de vislumbres fantasiosos de encontrar os pais, realização idealizada que consagra a série de acontecimentos. Essa concepção é, talvez, o que há de melhor neste filme imerso em boas intenções, trabalhando com atores que detém a síndrome de down e outros que vivenciam personagens ordinários, pouco críveis, como a dupla policial – que diz perseguir bandidos – e outros profissionais concebidos em sátira. O diretor não perde oportunidade de fazer piada em todas as situações. Inclui-se ainda Lima Duarte que narra tudo sem qualquer razão a não ser justificar sua participação e nome. 

A história se desenrola com certa naturalidade quando o diretor dá liberdade criativa aos atores que vivenciam os protagonistas fujões, o comportamento destes chama a atenção pela espontaneidade. Nesse âmbito é agradável perceber que os portadores da trissomia do cromossomo 21 não são expressados como indivíduos desventurados ou dignos de pena. Bom investimento do roteiro que se desprende de solidariedade para salientar fugas, perseguições e ambições inesgotáveis. 

Para refutar o acerto, o mesmo roteiro tenta ir longe, aspirando conquistas maiores. Quer até mesmo encantar cinéfilos através de referências triviais. Praticamente todas as escolhas são equivocadas. Passagens de obras clássicas do cinema foram lembradas, afinal, os protagonistas são cinéfilos. Na instituição, cuidavam de uma videoteca e passaram um bom tempo em frente a televisão. Irrompem menções a “Taxi Driver”, “Stallone Cobra”, “Sociedade dos Poetas Mortos”, “O Poderoso Chefão” e “007”. Não acontece unicamente durante os diálogos, os créditos artísticos já adiantavam. O diretor ainda recria uma cena gratuita e constrangedora de “Psicose”. Tudo isso pouco acrescenta ao filme. A citação a “Thelma & Louise”, todavia, tem validade. A obra de Ridley Scott é adorada por Stalone. Motiva sua fuga num Karman Ghia e dá arrebatamento a este roadmovie. 

A viagem do grupo, por assim dizer, contrasta bem com a ocorrida em “O Oitavo Dia” de Jaco van Dormael. Lá o personagem do ator argeliano Daniel Auteuil encontra no meio da estrada um homem, Georges, sozinho. Este detém a síndrome de down e tal como a trinca de “Colegas”, fugiu de uma instituição. Da mesma forma este desejava encontrar a família. A ótica é completamente diferente, igualmente abarrotada de sacadas e piadas, mas delineada abstrusamente e com inquestionável relevância. Tornou-se um roadmovie com comparações humanas.  Já o deslize desta produção brasileira cai nas mãos de seu diretor e roteirista, Marcelo Galvão, carente de noções cênicas e sem cuidados quanto ao trabalho de câmera, filmando sem critério, finalizando tudo desconjuntadamente. Falta senso temporal e espacial. Nem temos certeza sobre qual período a história se passa. 

Libertário em demanda, ou melhor, como inspiração, acompanhamos outra referência aos personagens em fuga com o cover de Raul Seixas, ídolo do trio que conhece as músicas de cor e subtende a proposição das letras declinando do sistema. Algumas canções do músico funcionam como trilhas, balanceando a sucessão de acontecimentos enquanto um ensaio para novos horizontes, simbolizando o regime de internação. A cena em que Aninha liberta um pássaro de um alçapão diz muito a respeito sua condição junto aos amigos, como também de tantos outros aprisionados por aí. Faz eco direto com o movimento antimanicomial. No entanto é pouco, um desperdício quando se tinha bom material e atores engajados num projeto que mais do que representar uma minoria, muito lhes dizia respeito. 


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