segunda-feira, 4 de março de 2013

Proseando sobre... Os Miseráveis



Tom Hooper se consagra, não pelo que fez enquanto diretor, mas pelo que conquistou com a equipe de produção desse "Os Miseráveis". Algumas divulgações publicitárias insistiram em dizer que foram registradas cantorias ao vivo durante as encenações. Algumas provavelmente aconteceram. A minoria! É bastante claro e seria estranho, talvez até embaraçoso, esperar que seus ótimos atores desempenhassem grandes números musicais já que não são cantores. Estão longe disso. Russell Crowe que o diga. É preciso gostar de musicais. Há quem não aprecie. Particularmente, adoro. O cinema está abarrotado deles, obras magnânimas, imortalizadas com sequências inesquecíveis e canções imortais. “Cabaret”, “O Mágico de Oz”, “Cantando na Chuva”, “Dançando no Escuro”, “Moulin Rouge”. Eis alguns exemplos para entrarmos no assunto. Neste, os atores dialogam cantando acompanhados de melodia. São quase 160 minutos assim. Belos 160 minutos, plasticamente e narrativamente, evidentemente sem comparar com a obra original, escrita por Victor Hugo, tantas vezes adaptada para a telona. 

A história centra em Jean Valjean (Hugh Jackman) que ficou preso por 19 anos após roubar um pão. Ele foge e revitaliza sua vida, ganhando fama com outro nome, enquanto o inspetor Javert (Russell Crowe) segue em sua cola atravessando décadas a sua procura. Outros personagens vão surgindo, balanceando a diferença social abrupta, com a miséria nas ruas, pessoas sujas humilhadas por circunstâncias. Entre elas está Fantine (Anne Hathaway, destemida e intensa no pouco tempo que lhe foi reservado em cena), mulher que perdeu o emprego e foi obrigada a viver na sarjeta, se prostituindo para garantir o alimento da pequena filha. Imerso em indigências, o longa caminha melancólico, com canções esperançosas – belas composições escritas – hasteando a bandeira da dignidade num cenário de revoluções – aspirações que aconteceriam anos depois. A história dá um salto.

Jean Valjean segue em fuga e Javert, implacável, mantém-se perto, a espreita, como se a honra de prender o fugitivo motivasse seu ofício. É interessante perceber as falhas dessa imponência fardada no personagem de Russell Crowe, maquinado num propósito vago o qual ele mesmo questiona, cedendo em nome do dever imposto. O ator trabalha bem essa composição austera, compensando sua voz enquanto cantor. Nesse período, Valjean cuida de uma garota, Cosette (Amanda Seyfried), que é cortejada pelo jovem idealista revolucionário Marius (Eddie Redmayne), cara que está envolvido na rebelião estudantil. 

Desenrola-se um romance para acalentar toda a tragédia que o filme envolve, funcionando pouquíssimo, já que aparece como uma subtrama dramática a qual, inevitavelmente, damos pouca importância. Há outras coisas rolando. Mas percebemos o casal como símbolo do futuro da nação, especialmente com Cosette que atravessou dois extremos sociais. É o bastante. Ainda há outra dupla que surge dissonante na narrativa com humor: Madame Thénardier (Helena Bonham Carter) e Monsieur Thenardier (Sacha Baron Cohen). Num princípio soam deslocados, porém vão ganhando espaço graças ao apelo humorado como alívio, sobretudo veiculado a Cohen.

Uma bela história, boas músicas e um elenco afinado – ao menos a maior parte dele – não são o bastante para tornar “Os Miseráveis” numa obra primorosa como alguns julgam. É gigante em composição, referências e estética. A câmera de Hooper, por sua vez, as vezes tira a beleza contextual da época para beijar os protagonistas, mantendo-os perto, evidenciando a maquiagem dos atores e suas expressões atormentadas. Ele deixa o filme se levar sem cadenciar embora seja longo e recheado de canções que se acumulam. Nesse terreno, quem se destaca mesmo é Hugh Jackman, surpreendendo, abandonando a impressão de ator pipoca para se entregar a uma obra eloquente e importante, sendo a estrela principal. E de estrelas se fez o filme, um autêntico musical, criativo e corajoso, pois é (en)cantadamente interpretado – deve-se aos atores que gemem, sofrem, tossem enquanto soltam a voz. Tom Hooper se coroa não pelo que realizou, já que a direção está engessada, restando a constituição artística de cada quadro e na liberdade criativa do belo elenco que arrebata e nos faz gostar deste longo longa.


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