terça-feira, 17 de setembro de 2013

Proseando sobre... Invocação do Mal



Gênero difícil de trabalhar esse de terror, especialmente quando relacionado a possessões demoníacas, já que muito já fora feito e relativos sucessos conquistados, ainda com a sombra comparativa ao clássico imortalizado, O Exorcista (Exorcist, The, 1973). Se há muito pouco o que se inovar, então que seus clichês sejam tratados com alguma astúcia e que a história os tenha a seu favor narrativamente, e não como o típico mais do mesmo esgotado que funciona com os desacostumados. O anúncio de que se baseia numa história real vem como o prenúncio da possível existência do fato. Nunca fora comprovado. Ainda assim é o bastante para atrair olhares e motivar alguns curiosos a irem ao cinema conferir um dos mais custosos trabalhos dos famosos demonologistas (?) Ed e Lorraine Warren. De quebra ainda há a lembrança de um dos casos mais discutidos da dupla, o da apavorante boneca Anabelle.

Lembrado geralmente por iniciar a febre Jogos Mortais (Saw, 2004), o diretor malaio James Wan entra na onda do sobrenatural pela segunda vez em poucos anos. Ele já tinha proporcionado uma experiência diferenciada em seu longa anterior, o competente e assustador Sobrenatural (Insidious, 2010) – que ganhará uma sequência ainda este ano –,   demonstrando o quanto poderia ser promissor em filmes de horror. Com esse Invocação do Mal, provou que é uma boa aposta para um estilo desgastado. Ele dirige um filme de gênero definido e investe em nuances sombrias aterrorizantes, sem o uso exaustivo da trilha ou das sombras que oferecem espantos repentinos os quais praticamente prevemos antecipadamente. Seu trabalho de câmera, ora subjetivo, ora objetivo, é bem sucedido. Ele passeia pelos corredores e encontra guinadas em alguns planos específicos sem cortes. É visualmente atraentíssimo!

A dupla central que encarna o casal Warren é vivida por estrelas hollywoodianas. Patrick Wilson – trabalhando novamente com Wan após Sobrenatural – assume o papel de Ed, demonologista não-padre reconhecido pelo vaticano que dá palestras explicando seu trabalho como se pudesse demonstrar cientificamente o que diz dominar. Já Vera Farmiga, sempre tão talentosa, dá uma dubiedade notável a Lorraine que sofre com o ofício, pois é mais do que uma caçadora de demônios, é uma sensitiva que revive situações e enxerga além das manifestações daqueles que busca salvar. Com a dupla de prestígio, Wan não se preocupa tanto em dirigir atores, já que notoriamente dá liberdade a experiência dos mesmos. Ele se concentra claramente nas 6 crianças em volta que seguem padrões ritmados cena após cena. Uma delas é  Mackenzie Foy que viveu a filha de Edward e Bella em A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 2 (Twilight Saga: Breaking Dawn - Part 2, The, 2012). Ao menos dessa vez ela participou de um filme cujo sobrenatural pode ser levado a sério.  

A favor da obra está a ambientação setentista. Faz um eco com Amityville - A Cidade do Horror (Amityville Horror, The, 1979). O cunho artístico nos transporta aos filmes da época. A ausência de tecnologia surge como um empecilho para os personagens e um trunfo aos realizadores. O figurino e estilização também contribuem para acessarmos 40 anos atrás. Com isso emergem alternativas de horror, tal como o distanciamento do homem da cidade cuja dificuldade de comunicação compromete sua segurança; ou os métodos de trabalho dos Warren, limitados, com câmeras e microfones precários; e as brincadeiras das crianças que divertem-se com um simples esconde esconde, promovendo boas cenas salientando a ameaça presente, porém invisível.   

O roteiro baseado no evento dito verídico se concentra em tentar dar um embasamento teórico as manifestações através de aulas, palestras e diálogos entre os personagens, pondo em dúvida o que é verdadeiramente real. Os roteiristas, Chad Hayes e Carey Hayes, especialistas em filmes de terror, se encarregam de passar informações importantes para compreendermos o que está acontecendo e o que poderá vir a acontecer. É um acerto narrativo que oferece com didática várias possibilidades de sucessões, sem preocupar-se em cumprir cada uma. Pesquisas e constatações religiosas surgem com ênfase à idéia de tratar-se de possessões demoníacas, há até uma breve retratação histórica a respeito da ação do catolicismo a respeito desses casos. 

Dirigido com crueza e sem inventividades, mas com competência, adentramos numa atmosfera distinta, sombria e ameaçadora. Nos importamos com seus envolvidos diretos: a família atormentada num antigo casarão que compraram num leilão e o casal caçador com suas razões pelas quais escolheram trabalhar com isso. Percebemos temores nas minúcias, nos detalhes bem dispostos, como em uma cena onde uma das meninas está desesperada afirmando ver alguém atrás da porta de seu quarto. Não vemos o que ela enxerga, tampouco questionamos sua sanidade, somos levados a crença devido ao que já fora proposto logo nos minutos iniciais da fita. Farmiga também expressa detalhes em sua atuação sucinta, são vários os atos em que observa alguns locais subitamente fazendo expressões temerosas reparando o que nós e os outros personagens não tem condições de perceber. Quando a câmera converte-se em seu olhar, aí sim vislumbramos o que lhe terrifica. 

Subvertendo formas, o filme se desenrola com clareza surpreendente, já que não larga muita coisa em suspensão, resolvendo-se em suas limitações. James Wan é criativo, varia cenas de profunda tensão com outras de terna leveza, cumprindo conjuntamente a fotografia e direção de arte um universo ermo. Finalizado, comparamos inevitavelmente a obras semelhantes e notamos o quão melhor Invocação do Mal é justamente por ser serenamente objetivo e rústico, pensado cuidadosamente. Precisamos acreditar no que vemos por 120 minutos para o filme funcionar. O ceticismo amarga as experiências que filmes de horror proporcionam e deve ser ignorado em benefício do cinema e de sua arte.  


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