quarta-feira, 25 de junho de 2014

Proseando sobre... A Culpa é das Estrelas

Honestamente não penso que o filme faça de tudo para nos emocionarmos. Como se quisessem vender uma ocasião vislumbrando um sofrimento que escolhemos passar a partir do momento que lemos a sinopse e seguimos para a sessão. Longe disso. Não faltam exemplos na história do cinema com tal pretensão. Não é o caso de A Culpa é das Estrelas, filme inspirado no best seller do escritor John Green. Há elementos fundamentais que evocam o pranto e contribuem naturalmente para o despertar da emotividade em diferentes níveis. Aos detratores, parecem motivados pela ira da provável mesmice que encontraram ou que julgaram que encontrariam antes mesmo de sentar na sala de cinema; aos que gostaram, que criticamente ou não avaliaram a obra como um romance sensível, permitiram-se vivenciar a emoção proposta, algo que funciona. Algo que naturalmente funciona.

Funciona por perspectivas reais. Todos tem ciência sobre o quão sério uma doença como o câncer pode ser. Ainda está no imaginário popular a periculosidade dela, como o anúncio de uma sentença de morte, uma condenação! O filme não se trata disso, obviamente, mas é o contexto. O filme trata de um possível romance de alguém cujo ideal de um futuro feliz fora estremecido quando descobriu que tinha uma doença terminal. O tempo tornou-se ouro. Para dimensionar a sensação, os protagonistas são demasiadamente jovens sofrendo juntos, se apegando ao que tem por mais um dia o qual o sol nasce lhes permitindo aproveitar o tempo que lhes restam. Isso já é motivo para emocionar uma vez que a empatia é instantânea. Nos projetamos!

E o câncer é um assunto inesgotável. Não faz muito tempo que rimos com o despudorado 50% (50/50, 2011) ou com o comovente A Guerra Está Declarada (La Guerre est declarée, 2011). Há tantos outros. O fato é que muitos acreditaram que topariam com uma bobagem do nível de Um Amor para Recordar (Walk to Remember, A, 2002) – esse que possui fãs muito mais pelas situações propostas na narração do que pelo filme. Talvez A Culpa é das Estrelas esteja mais próxima do ótimo Inquietos (Restless, 2011). Aqui dois jovens, Hazel e Augustus, se cruzam num grupo de apoio a pacientes com câncer. Interagem, brincam, se apaixonam como qualquer casal adolescente que cria expectativas no outro e se diverte. No caso, há algo a mais que compartilham, a possibilidade do futuro explode em suas cabeças bagunçando-os de incertezas, tão caoticamente como as estrelas no céu. Ainda assim, o conforto vem do afago de todos em sua volta, algo que a câmera do diretor Josh Boone consegue compreender burocraticamente. Há ainda uma busca por respostas vinculada a presença de um escritor na Holanda (esse é vivido por Willem Dafoe). Os motivos de uma repentina viagem acaba similar a conclusão escolhida tanto no livro quanto no filme. Um pequeno símbolo do vindouro oculto.

É definitivamente um filme muito pouco inventivo, não traz muito de novo. Mas traz o essencial romântico de uma boa história honesta e verdadeiramente cativante. É verdade que o mérito reside em Shailene Woodley, atriz que vive Hazel. A menina impressiona, nos mantém ligados e preocupados frente a sua condição. Seus gestos, sua leveza, sua dicção garantiu uma das interpretações mais singelas e críveis do ano até então. A situação da doença felizmente não é romantizada, é naturalizada. Um desafio conquistado com pouca densidade. Uma pena ver uma armadilha usual repetida que tira a força em seus minutos finais quando o uso de um flashback evocativo visa – dessa vez sim – um acréscimo de emoção. Essa deixa de ser natural pelo que o filme havia construído até ali. E percebam, a vida não é um lamento, mas uma celebração.  Simples, o longa emociona, é OK.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Proseando sobre... Malévola

Na onda de readaptações ou readequações de contos de fadas – essa tão explorada nova mania hollywoodiana –, Malévola surgiu para sanar a curiosidade do público que manteve até seu lançamento uma expectativa imensurável a cerca da história desta vilã tão aclamada. Nessa onda mencionada constam Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010), Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman, 2012), Oz: Mágico e Poderoso (Oz: The Great and Powerful, 2013), Jack - O Caçador de Gigantes (Jack the Giant Slayer, 2013) e o horrendo João e Maria: Caçadores de Bruxas (Hansel and Gretel: Witch Hunters, 2013). Há um universo belo e mágico com um teor sombrio usual investido nessa narrativa frágil. Juntamente a competentes efeitos e menções honrosas ao clássico, o filme contrasta a história original. E assusta o quanto se revela piegas e pouco inventivo diante um universo de possibilidades fantásticas. Felizmente resta ao filme o carisma de Angelina Jolie. Se não fosse por isso, pouca coisa sobraria.

O diretor estreante Robert Stromberg, um profundo conhecedor de efeitos visuais – são dele os efeitos de O Labirinto do Fauno (Laberinto del Fauno, El, 2006), Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (Pirates of the Caribbean: At World's End, 2007) e As Aventuras de Pi (Life of Pi, 2012) –, retoma um clássico e pressupõe uma releitura. O conto A Bela Adormecida ganha novos adornos, um viés mais rebuscado, sombrio e aventureiro a partir daquela que jogou a maldição do sono eterno sobre a bela princesa Aurora. O roteiro explora profundamente os motivos pelos quais Malévola tomou decisões que lhe fizeram, dentro do imaginário popular, uma vilã. Conhecemos aspectos de sua história, sua doçura, seu respeito com a natureza e a posição de cada um dentro dela, sua brandura e seu amor. Esse último converteu-se em seu tormento. O brilho bucólico dos campos e jardins ganharam sombras quando o símbolo de seu eu fora mutilado.

Tal interpretação implicou em mudanças consideráveis, o que não é nenhum problema. A arte do cinema dá margens para tais modificações. O próprio conto original alterou-se comparado a versão da Disney lá de 1959. Aqui são várias alterações, algumas de enorme relevância e outras triviais. Obviamente, a história se modela a partir de uma protagonista alternativa, vivida com entusiasmo por Angelina Jolie. É sobre ela que o roteiro se debruça, ignorando outras ações. É impossível não notar a desconsideração com outros personagens, o sabotamento das 3 fadas que cuidam de Aurora quando ela simplesmente desaparece passando muito tempo com quem lhe amaldiçoou; ou com relação ao sono profundo, o grande vilão dessa história, que não tem magnitude quando finalmente acontece. São aspectos simples ignorados que cortam as asas do filme impedindo-o de alçar vôos que acrescentariam ou engrandeceriam a obra.

É pura verdade que é um prazer assistir o filme. Seu visual plástico encanta e empolga, o som e a trilha seguem o mesmo ritmo fortalecendo a experiência de acompanhar a história e descobrir os motivos pelos quais Malévola abandonou aquele ímpeto jovial e sonhador do início. Essa é uma sacada que garante a afeição do público, juntamente outros recursos com personagens e gags que transformam aquele reinado abarrotado de tantas tensões em possível captador de singelos momentos de humor. Nada é gratuito, o investimento seguiu a fórmula mais carimbada do estúdio, o que costuma dar certo sem ousadias, até que chega seu ato final e uma novidade é alcançada com certo louvor. Mas quem não previu que pudesse ser como foi já no início da segunda metade do filme?

O que assistimos é, definitivamente, um estupor visual dos mais significativos sobre uma potencial história desperdiçada. Um ode aos papeis femininos os quais a Disney vem ressaltando com bastante força. Travestido de conto de fadas convencional, esse emerge das sombras criativas, mas não dá mais do que alguns suspiros. O ótimo Sharlto Copley vive um Rei Stefan caricatural, enquanto Elle Fanning sorri em demasia com sua cândida Aurora. Angelina Jolie tem alguns grandes momentos, muito mais pelo carisma do que por uma interpretação absolutamente marcante. Viver Malévola deve ter sido um deleite para a atriz. É interessante vê-la encarnar alguém que zelou dedicadamente pelo outro como uma mãe que não teve a oportunidade de conceber um filho, ao contrário de sua vida pessoal admirável. Fica até alguma lição sobre formas de amor, sem normas e sem máculas, inevitáveis e precisas diante condições essencialmente humanas que longe dos contos de fadas compartilhamos.

Texto originalmente publicado em http://cineplayers.com/critica/malevola/2862